A Ideia de Beatriz e Beatriz
Meu primeiro amor não foi Beatriz.
Foi uma ideia. A ideia que eu tinha sobre Beatriz.
Pois preferi seguir esse caminho.
De imaginar antes de sentir.
De sonhar antes de viver.
Entre Platão e Aristóteles.
Platão vezes dois, pois tanto a ideia, quanto a forma de Beatriz - a ideia que lhe caia como veste - eram perfeitas.
Fisicamente. Espiritualmente. Intelectualmente. Emocionalmente.
Numa ida ao cinema, a ideia começou a brigar com a pessoa.
O primeiro round, o primeiro beijo.
E o primeiro assalto foi para a Beatriz - a pessoa, não a ideia.
Depois vieram vários rounds
E não vou dizer que meu amor pela ideia de Beatriz foi para sempre derrotado.
Ele surgia nas vezes em que brigávamos (ainda hoje brigamos).
Nessas horas queria esquecer a pessoa e amar a ideia - para me iludir e suportar a pessoa.
Mas então fazíamos as pazes - e agora já passamos dos beijos, envolve também sexo - e seguiam-se novos rounds.
Beatriz, a pessoa, normalmente ganha.
Mas um dia prometi que, quando ela começasse a perder corriqueiramente para a ideia, eu ia deixar de amá-la, a pessoa.
Hoje eu sei que, se o casamento acabar, vou deixar de amar a pessoa e a ideia.
Esses dois amores têm se tornado cada vez unos.
É que eu olho para a Beatriz e vejo Beatriz - a ideia e a pessoa misturadas.
É o tempo de convivência. Eu não sei quem é Beatriz de verdade (dá pra saber quem é alguém de verdade?)
Sei que ela não corresponde à ideia.
Mas a ideia - mutável e mudada (oh tempo que tudo toca…) - que tenho de Beatriz também passou a ser Beatriz - a pessoa - como a vejo, como ela é dentro de mim.
Meu primeiro amor não foi Beatriz.
Foi uma ideia. A ideia que eu tinha sobre Beatriz.
Dizem que o primeiro amor você nunca esquece.
Mas que também dificilmente é aquele com quem você se casa.
Texto do livro: "Mulheres de A à Z - Ou Fragmentos de Casos que poderiam ter sido Romances", com data de lançamento prevista para maio, em Recife, na Livraria Cultura do Riomar.
Publicado em 09/05/2014