Fotografia: Gimar Dueñas
Lembro-me de alguém ter mencionado, um dia (não sei quando, nem onde!), a respeito do surgimento de uma epidemia pós-moderna: a socratite ou síndrome socrática...
Considerei um pouco inoportuna a metáfora da época, mas, nos últimos tempos, observando o comportamento de uma amiga, senti-me impelida a ressuscitar as expressões embaúsadas ou engaioladas (como queiram!)
Pois foi essa menina perguntadeira (Lígia é seu nome!), a grande detonadora dessas reflexões simplórias, tendo em vista a sua grande compulsão por perguntas (Por que? Por que? Por que?...)
Por que a escolhi para minha crônica? ... Não sei ao certo!
Sei, apenas que suas perguntações conduziram-me a outras perguntites agudas, transformando minhas reflexões em uma crônica perguntativa.
Lígia pode até ser um parente do filósofo, mas seu mérito maior é o de instigar a curiosidade sobre esse sinal de pontuação tão antigo: o ponto de interrogação.
E no início o verbo se fez carne... Será? Penso agora que o mundo poder ter surgido de um grande ponto de interrogação, bem traçado e robusto.
Tudo o que gira em torno da vida é uma grande incógnita. O ponto em questão é grávido. Observe seu formato! É grávido por natureza!
Antes do início... e do verbo se fazer carne... acredito que houve o grande ponto (início de tudo): ?
Será?
Lígia levou-me a observar, detalhadamente, esse sinal de nossa Língua Portuguesa. Desde o dia em que a reconheci como perguntadeira, o mundo todo se transformou em pergunta. Parei em uma lanchonete, num dia desses e fui abordada pelo garoto, que preparava o lanche: Quer maionese? Posso colocar batata? Pão francês ou de hambúrguer? Coloco molho? Pra comer ou pra viagem?
Como se não bastasse fui visitar minha mãe, no mesmo dia, e tal não foi a surpresa, quando a vi desfilar uma série de perguntas, distantes de nossa rotina de gente comum: O que faz um corpo se equilibrar? Que princípios equilibram os corpos? Por que será que tenho me sentido assim? Por que sinto dores somente do lado direito? Por que você não chegou antes? (Essa é comum!)... Que loucura! Lá veio, mais uma vez, a barriga grávida do ponto instalar-se em meu cérebro confuso!
Agora, nesse momento, não me importando com a finalidade, nem profundidade filosófica das questões, penso que o ponto de interrogação está sempre gestando ideias. Lígia, como Sócrates, descobriu a grande fertilidade das perguntas. A maiêutica nada mais é do que um parto de ideias e como parir ideias sem a barriga geradora? (Fiz outra pergunta!)
Sócrates, personificado em Lígia, descobriu algo realmente, valioso: as interrogações geram seres e ideias.
No início... houve uma grande dúvida: O que deverei criar? Perguntou Deus. E, logo após, muitas ideias foram surgindo e o verbo se fez carne...
Acredita em minha crônica?
Por que acredita? Deveria?
A menina perguntadeira operou uma grande confusão em meu ser! Com sua socratite aguda contaminou-me de tal forma, que nunca mais deixarei de enxergar a gravidez do ponto de interrogação. No berçário existencial, o ponto grávido continuará gerando suas crias... crias nem sempre simétricas e perfeitas, mas, afinal de contas...
O que é a perfeição? A irmã siamesa da imperfeição?
(?)
MIRIAN MENEZES DE OLIVEIRA
publicado 26/01/2014