A P R E G U I Ç A
Cultuo a preguiça como minha divindade mais fulgente, aconchegante e rodeada de lençóis brancos e macios, de puro linho egípcio de 800 fios.
Ao anoitecer apresso meu desejo de que o dia venha em meu socorro, trazendo as horas de trabalho pesado, intelectual ou de inspiração divina, para os homens e mulheres que vão à luta todos os dias úteis de uma vida que se inicia. Estes são os melhores momentos para se “deitar, conscientemente, na preguiça”; quando todos estão trabalhando. Sentir o sabor da vitoria sobre a faina...
_Cara, se o titulo da crônica é “preguiça”, como é que você vem falando de trabalho ? Não estou entendendo...
_Aguarde e descubra a antecipação dos desejos...
Se eu ou qualquer preguiçoso de boa cepa, fosse homenagear a ditosa preguiça nas horas em que os trabalhadores estão descansando depois de um dia duro de labuta, não teria graça nenhuma. As noites foram feitas para o repouso, ou mesmo para a preguiça camuflada de cansaço. Ficar inerte não é a mesma coisa que “curtir, conscientemente, um momento avassalador de preguiça”.
Os momentos que vamos dedicar à preguiça têm que ser conquistados com sangue, suor e lagrimas, já dizia o jesuíta. Esses momentos significam a vitória da batalha que durou toda uma vida. Com responsabilidade, sacrifícios, suores frios, noites insones, altos e baixos, tudo entremeado na colcha de retalhos de uma vida em busca da famigerada aposentadoria; aposentadoria conquistada quando já não temos fôlego para desfrutar o prazer de uma corrida nas areias de nossas maravilhosas praias, de uma noite de baile ao som da orquestra sincronizada sob a batuta do maestro. Gostaria de sentar atrás do volante e dirigir neste imenso Brasil, de norte ao sul e de leste ao oeste. Já não tenho animo para tal aventura.
Considerando que as estripulias juvenis estão fora do cardápio dos aposentados senis, só resta aprender a desfrutar da preguiça, como quem come um delicioso pedaço de bolo na hora proibida, um sorvete em clima frio, uma feijoada em clima quente. Fazer tudo ao contrario do que o manual do bom comportamento indica para uma vida saudável. Vida saudável tivemos até os quarenta anos, quando nos dedicamos a construir a pirâmide da fortuna. Agora que o tempo venceu o organismo, que a perna resiste em dar o próximo passo, só nos resta deitar na rede da inoperância.
_”Na escuta e operante” – isto é coisa de soldado raso; já somos generais, com direito a pijama e papinha na boca.
Burro é aquele que gosta do enlevo do “dulce far niente” e ao mesmo tempo tem pejo de admitir. É como dar um passo para frente e outro para trás. Não vai sair do lugar nunca. A preguiça é via de mão única, até que, inadvertidamente, se cai no buraco...
Adoro sentir preguiça, e quando ela não me acomete involuntariamente, eu a busco voluntariamente. A danada da preguiça está com preguiça de chegar até onde estou. Não lhe dou descanso; ela tem que trabalhar em meu favor, ou melhor, tem que se instalar, sorrateiramente, em meu corpo e mente. Não reconhecer que se está com preguiça é o mesmo que beber um copo com água. Não tem sabor a nada; apenas é indispensável à vida. Minha amiga preguiça precisa de sabor forte, inesquecível, fulgurante, marcante como personagem de teatro; ela precisa de carisma e personalidade e de muito “amor próprio”. Ela tem que ser gritada em brados sonoros, com voz de soprano.
Só durmo bem quando a sinto ao meu lado, quietinha e silente, macia e tépida. Melhor que dormir junto à nossa amiga, só mesmo o corpo da mulher amada, agarrada ao nosso, carinhosa e suplicante de amor. O sono chega logo e é reconfortante, a não ser nas noites de atribulações corporais.
Venero minha preguiça como a uma divindade, e a tenho sempre no altar do descanso, ao alcance de minhas mãos.
Viva eu, viva minha amiga inseparável amante –
A PREGUIÇA.
Anchieta Antunes
19/02/11