A Sabedoria do Tempo
Conheci Dona Emília numa tarde de março, no baile que a Câmara de Lousã, cidade de Portugal, ofereceu aos seus moradores de terceira idade. Mulher ainda elegante, culta e, sobretudo muito consciente e sábia com as coisas da vida. Começamos a conversar e nos entendemos muito bem. Ela fez questão que eu me sentasse à sua mesa para continuarmos o papo agradável que havíamos começado. Falamos de coisas diversas e ela contou-me um pouco da sua vida ao morar no Brasil e na América do Norte por alguns anos. Fui dançar uma música e quando volto ela olha-me emocionada e diz que o marido, quando vivo, levava-a para dançar e divertiam-se muito. Formavam um casal animado. E referindo-se ao meu par, diz que formamos um belo casal e que ficara encantada quando dançamos nos olhando.
Conversa vai, conversa vem, começa a tocar a música Cavalgada, de Roberto Carlos, e o cantor, com um lindo sorriso a iluminar seu rosto, canta olhando-me... As pessoas observam e falam que “ele” canta pra mim e sorriem cúmplices daquele momento lindo, um dos muitos que vivi naquelas terras de Camões. Em volta, todos concordam e eu confirmo que a música é dedicada a mim. A Dona Emília me olha longamente e diz:
- “És uma pessoa boa e generosa e ele também, parece ser do bem, espero que fiquem juntos e se amem muito. O amor é a coisa mais importante da vida”. - Olho-a surpresa e ela continua, com aquela calma de quem sabe o que diz -, “deixe tudo para trás, sem olhar, sem arrependimento, porque um grande amor deve ser vivido em toda a sua plenitude, pois não sabemos até quando ele poderá viver. Até quando irá durar. Chegará a hora, em que, um dos dois irá partir, e a certeza de que esse amor foi vivido é que dará forças ao que fica, para continuar a viver. Não sintas remorsos de abandonar coisas e pessoas para ser feliz”.
Quando o baile acabou abracei aquela linda mulher carinhosamente. Havia entre nós um sentimento inexplicável. Ela me abraçou chorosa e pediu-me que nunca a esquecesse. Deu-me o número de seu telefone, anotou o meu e me pede que eu decida logo a minha vida e que vá morar por lá, pois ela precisa ver-me mais vezes e conversar comigo. Disse-me que sou especial e que não quer perder a minha amizade. Segurei as lágrimas que queriam cair por minha face e prometi-lhe não ter medo do amor, nunca. Ela despediu-se e se foi, enquanto eu a observava. Vou telefonar para ela. Este mês de abril, ela completará oitenta anos bem vividos com sabedoria.
Lígia Beltrão