Chove lá fora. pingos borrifam a vidraça em choro convulsivo; de chegada, de partida e de um adeus que deseja tornar-se chegada e que, no entando, se vai relutante. Enquanto isso, o vento ruge brutal.
"E eu, aqui sozinha, nesse apartamento"? Não!
Eu? Sentada à vidraça embaçada pelo calor do meu respirar.
Ele? Dorme sem saber que meus pensamentos latejam e viajam ansiosos buscando um milagre que não vem e buscando no bau da memória, momentos vividos a dois. Por vexes momentos de amor e de risos; por vezes luta e de dor, Contudo, sempre compartilhados na cumplicidade de duas almas convergidas em uma.
Será que ele sonha? E se sonha, será que é comigo? Ou com esse mesmo passado presente? Ou será com o eterno, o divino ou o espiritual?
Em meio às perguntas insistentes e mudas respostas, contemplo os pingos furiosos disputando a calçada, as paredes, os jardins e portões...Impõem-se à força e pela força. Correm, se fazem e se desfazem. Escorrem sob à força do vento. Força que falta áquele que dorme em macios e limpos lençóis em um leito de dor e de despedida.
E eu? Na janela, vejo que cansei de tanto lutar contra a tempestade de meus olhos. Portanto, eixo meus pingos se lançarem borbulantes e livres.
Contudo, estes, ao contrário daqueles, nada disputam. Apenas pedem passagem. As calçadas, as portas, os jardins são as curvas geladas de minha face.
Brotam, correm, se distorcem e contorcem em rios e, também, embaçam, ofuscam e destroem a paisagem, que a vida me oferece agora.
Minha impotência contempla um quarto, uma vidraça embaçada a mostrar-me a violência da chuva, um leito de dor, de despedida, de partida sem data e nem hora marcada. No livro da vida, a paisagem da cena final: um marido que parte... um olhar embaçado de uma esposa que fica ao rugido impiedoso do vento e que chora no silêncio da casa, do quarto e de sua saudade e que chove lá fora...