A versão original da vida no livro “O cantar da Sariema”, de João Leles Martins
Por Alexandra Vieira de Almeida
Doutora em Literatura Comparada
“O cantar da Sariema”, título definitivo desta obra, já revela ao leitor sua estratégia inaugural: “sariema” (grafada na forma oral, conforme o autor) – ave linda – teria um canto triste, segundo a letra da música e a tradição do senso comum, mas de acordo com João Leles, traz beleza e graça à vida. Na descrição do autor sobre seu canto, ele diz: “acho lindo”. O escritor cita a música de que seu canto é triste e faz lembrar... O título leva a uma reflexão: a contação de histórias tiradas da realidade – lembrança -“memória” – oralidade na escrita, reflexo desta memória transbordante e subjetiva, que transforma o fato pela “recontação” do sujeito em sua versão pessoal. Desdiz a História dita e sua grandiosidade e o ficcional em sua especificidade textual. O oral e o escrito se rememoram numa “rede” que une o que se vivencia, ouve e vê com o documentado pelos próprios familiares do autor nos seus anais históricos escritos pelos seus familiares e lidos por João Leles para a confecção de seus causos, aproximando a vivência e a essência do ser, o que se experiencia e o que se essencializa pela forma escrita.
O livro conta a história da região, Goiás, passando pelos desbravadores de terras, os bandeirantes, com a mistura do mito da região também, percorrendo casos anedóticos, primando pelo humor, e questões mais universais como no tempo com relação ao causo do relógio; e no causo do leiloeiro, tem-se o embelezamento da linguagem, como o próprio narrador cita: “este caso, contém trechos que foram floreados, justo para embelezar o caso, lembro aqui que quem conta um conto...” Apesar da documentação e memória, em que se encontram detalhes, tem-se ao mesmo tempo dúvidas quanto a certos nomes, expressões, pessoas e coisas do tempo passado. A mensagem do narrador de “O canto da sariema” é desfazer os véus da lembrança histórica. A memória aqui apresenta o esmaecimento, como nas páginas de um livro amarelado que contêm lapsos, mas ao mesmo tempo o frescor de certas palavras que afloram como renascimento do antigo pelas mãos expressivas do escritor João Leles. Embora o autor afirma a veracidade do que ele conta, tanto nos fatos como nos nomes, salvo onde ele coloca iniciais, e diz ainda que pode ser confirmado com pessoas mais antigas da cidade.
João Leles conta casos que vivenciou e outros que ele ouviu falar, outros que ele se serviu de documentação, uns em que o narrador se inclui e outros em que ele conta sobre outras pessoas, a maior parte girando em torno do seio familiar, suas conquistas, seus primeiros empreendimentos nas regiões de Góias, revelando uma “trama familiar” que se recria nos fios das palavras hábeis do grande contador João Leles. Utiliza a primeira pessoa e também conta sobre terceiros na sua narrativa criativa, única e especial. Costuma se expressar com “naquele tempo”, como se as coisas fossem melhores no passado, com menos doença, mais harmonia e paz. O narrador diz num de seus casos: “Hoje a televisão não deixa ninguém conversar.” Fazendo o contraponto entre tempos, o humor crítico do narrador atinge o leitor em cheio, ajudando-o a repensar sobre sua própria realidade. Antes, havia o tempo de segurança, tranquilidade, conversas plenas.
O livro se divide em três partes. Na primeira parte, têm-se os causos sobre os familiares e outros casos, mesclando histórias mais antigas com fatos mais recentes ocorridos naquela região. Num segundo momento, o narrador escreve sobre várias personalidades queridas do Brasil, ultrapassando o regional (Goiás) para discorrer sobre personagens de várias regiões do país. Relata sobre Chacrinha, por exemplo, e sua personalidade original, que deu cara nova ao Brasil. O narrador se vale de suas reflexões e considerações ao longo da narrativa neste livro fantástico, revelando pleno domínio do uso da palavra contada e pensada. Por fim, na terceira e última parte, relata a História de Quirinópolis, escrita pelo seu primo Paracy. Aqui, o narrador valeu-se da pesquisa de seu primo – Graduado em Geografia e Mestre em História Cultural. Portanto, pela genialidade de João Leles, encontra-se uma versão original da vida que escapa ao meramente descritivo e, ao mesmo tempo, subverte a arte límpida, intocada pela experiência transbordante do narrador diverso do autenticamente ficcional.
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