Por João Paulo Bernardino - Escritor
EU, Albertina Fernandes
Fui professora do Ensino Secundário, sempre na minha terra natal, Arcos de Valdevez, de onde saí apenas para fazer o estágio pedagógico, no ainda Liceu Sá de Miranda, de Braga. Fiz a licenciatura em Línguas e Literaturas Modernas (Português e Francês), a Alliance Française (onde dei aulas), um mestrado em Língua e Literatura Francesas e outro em Educação Artística.
Tenho quatro filhos (dois rapazes, duas raparigas, todos casados) e seis netos, (um rapaz entre seis raparigas). Aos netos devo o início da minha entrega à escrita, enquanto publicação. Sempre que me pediam para lhes contar histórias, eu contava, mas variava as versões, porque me esquecia das anteriores, e eles não gostavam, exigiam a ‘verdade’ dos factos. Emociono-me muito com as Artes – a literatura, a pintura, o canto.
“Poderia enumerar todos os livros que, com os alunos, os encarregados de educação e até com funcionários, transformei em textos dramáticos. Orientei a disciplina de Expressão Dramática durante alguns anos e isso permitiu-me a escrita de pequenas peças em parceria com os próprios alunos que, ao sentirem-se co-autores, se enchiam de orgulho.”
Boa Leitura!
JPB – Antes de mais os meus agradecimentos por ter aceitado em dar à DIVULGA ESCRITOR a possibilidade de a conhecermos um pouco melhor. O facto de a Albertina Fernandes ter casado muito cedo e ter tido filhos quando ainda frequentava a Universidade, serviu para amadurecer a sua escrita e, quiçá, melhor compreender mais tarde a forma como deveria escrever contos infantis ou foi algo que lhe surgiu naturalmente?
Albertina Fernandes – Sou eu que devo sentir-me honrada e grata pelo vosso convite. Respondendo à pergunta, acho que tudo quanto vamos capitalizando ao longo do nosso percurso de vida vai enriquecer a nossa escrita. O facto de ter sido mãe aos dezanove anos e aos vinte e oito ter tido os meus quatro filhos permitiu-me estar, talvez, mais próxima das motivações das crianças. Fui, também, professora do ensino básico durante algum tempo e a conjugação dessas realidades com, mais tarde, o nascimento dos meus netos, trouxe-me, necessariamente, mais-valias para a literatura infanto-juvenil. Foi, efectivamente, com a escrita para crianças que eu me estreei.
JPB – O que a levou a escrever desde muito nova, talvez até numa época em que as mulheres eram desmotivadas a escrever, e qual o livro que escreveu que melhor demonstra a sua resiliência enquanto escritora?
Albertina Fernandes – Não poderei dizer que comecei muito nova. Comecei, sim, muito nova a amar a literatura. Era uma criança devoradora de livros, e esse gosto foi ganhando cada vez mais espaço na minha vida. Sabia que era nas Letras que eu iria mover-me profissionalmente. Ser professora era o caminho. Tendo em conta os sacrifícios que a minha formação académica implicaria para os meus pais, a opção pelo curso do Magistério Primário era a via mais plausível, porque dois anos volvidos, entraria no mundo do trabalho. A escrita veio depois, na idade madura, às portas da aposentação. Foi uma espécie de vulcão que surgiu no meu cérebro, parecendo querer deitar cá para fora o que lá andava guardado desde sempre. A paixão pela Literatura dos escritores consagrados de que me alimentava transmutou-se em surpresa para mim própria ao descobrir que também era capaz do meu próprio acto de criação. Daí à publicação foi um passo, porque a primeira editora para a qual enviei alguns dos textos respondeu favoravelmente. Não direi, pois, que se trata de resiliência, mas sim de um entusiasmo difícil de travar. Cada livro que sai sinto-o como um pedaço de mim. Mas creio que o romance “EU VOU COM AS AVES” a ser publicado em Dezembro, me preenche mais.
JPB – A sua preocupação com as mudanças que acontecem em catadupa no mundo e o facto dos homens cada vez menos se preocuparem com o seu passado monstruoso, faz com que queira dar um forte cunho de positivismo e elevação à sua escrita. Porquê?
Albertina Fernandes - Diz-me a minha memória que, enquanto criança, me sentia bem a ler histórias pensando nas personagens como se fossem reais, de carne e osso, sentia-lhes a respiração ao meu lado, falava com elas, era a vida real que fervilhava em torno de mim. Quando adolescente, acreditei cegamente no infortúnio das personagens do Amor de Perdição. Li o livro de um só fôlego, banhada em lágrimas e pedindo aos Santos que protegessem a Teresa e o Simão, embora cheia de pena da desgraçada Mariana. Para mim, a Literatura era assim: verdade e vida. Não me sinto, hoje, uma pessoa dominada por um pessimismo exacerbado, ainda creio nos valores que podem nortear a conduta do ser humano, e, como tal, acho que não deveremos fazer como a avestruz. Penso que os meus livros, embora com alguma turbulência a atravessá-los, enviam sinais de luz que o leitor vai perscrutando até serenar, com um certo optimismo no final. A literatura – e particularmente a de ficção - não me parece que tenha apenas uma função ‘digestiva’. E a arte da palavra é uma das mais nobres.
JPB – Acompanho há algum tempo a sua escrita e não posso deixar de me alegrar ao saber da sua paixão pelo teatro. Para quem escreve poesia diariamente, contos infanto-juvenis e ficção como o belo livro de contos “BRUMAS” que teve a amabilidade de oferecer, de que forma escrever teatro a fascina, logo uma área da literatura cuja prática quase não faz sentido em Portugal?
Albertina Fernandes – Fascina-me, em primeiro lugar, a representação. Enquanto fui professora, sempre me preocupei em levar os meus alunos para o palco, era assim que procurava incentivá-los para a beleza da Literatura. Digo isto com emoção, porque foram sempre momentos muito bonitos e produtivos, estreitavam-se laços, desenvolvia-se o sentido de grupo e de respeito pelo outro. Poderia enumerar todos os livros que, com os alunos, os encarregados de educação e até com funcionários, transformei em textos dramáticos. Orientei a disciplina de Expressão Dramática durante alguns anos e isso permitiu-me a escrita de pequenas peças em parceria com os próprios alunos que, ao sentirem-se co-autores, se enchiam de orgulho. O teatro permite-nos dar vida a personagens ‘de papel’, colocá-las em interacção, levar os participantes (actores e espectadores) a reflectirem sobre a problemática que se equaciona na peça. Isso é muito bom. Torna-nos, penso eu, menos egoístas, mais solidários, mais críticos também. Lamento que as escolas estejam pouco motivadas para esta forma de expressão artística. As escolas deveriam ser o epicentro da cultura e isso infelizmente não acontece.
JPB – Com a bonita idade de 66 anos de idade e mente de mulher bem mais nova, o que a levou a escrever “ESPERANÇA”, um livro que não sendo de todo autobiográfico, tem muito da sua pessoa? Será por querer deixar um forte testemunho aos seus descendentes?
Albertina Fernandes – Não sei bem que razões presidiram à escrita deste livro. Vem, creio eu, na linha do que referi anteriormente, isto é, os temas e a necessidade de os escrever vêm ter comigo e eu deixo-me conduzir, não existe em mim um plano prévio. A narradora começou a tomar forma consistente, descobri nela algumas das minhas características, do meu modo de olhar o mundo, e o texto foi ganhando corpo. Costumo dizer que ninguém pode escrever sobre aquilo que não sabe. E eu vi-me a lançar para as personagens que me foram convocando vivências e modos de sentir que me eram familiares. Um dos meus filhos, quando leu o livro comentou que muitas das passagens já mas tinha ouvido. Talvez isto aconteça com outras pessoas que escrevem ficção. Afinal, a ficção assenta em tantos factos reais… E nesse sentido tem um pouco de verdade a velha frase que diz que todos os livros são autobiográficos.
JPB – Ainda acredita, tal como escreveu no livro “ESPERANÇA”, de que o Amor é o único sentimento que nos resta para ter esperança na literatura portuguesa e essencialmente neste país cujo futuro arriscamos em deixar culturalmente degradado aos nossos filhos e netos?
Albertina Fernandes – Eu ainda acredito que o Amor consegue mover montanhas e acredito noutros valores que dignificam o Homem. Acredito de forma muito especial que a Arte nos pode salvar do abismo, embora tenha consciência de que não estará ao alcance de todos. Será, talvez, uma visão elitista, mas a Arte faz-nos sentir o caminho menos penoso. Nesse aspecto, considero-me uma privilegiada. No caso da Literatura Portuguesa, quero mesmo acreditar que ela vai continuar bem viva, apesar de estarmos a ser cada vez mais comandados por interesses económicos. As escolas estão mais voltadas para a frieza dos números e o futuro pode não ganhar muito com isso. Acho que os escritores e outros artistas poderão/deverão ter um papel preponderante na formação humanista dos que vierem depois de nós.
JPB – Meu Deus, com uma vida recheada de livros, experiências dedicadas às letras, trabalhos de ensaios e poesias, participação em mais de uma dezena de coletâneas e apresentações de livros editados pelos seus amigos, que mais podemos esperar da Albertina nos próximos anos?
Albertina Fernandes – Não sei responder. Descobri que escrever, para mim, é uma espécie de força vital como caminhar ou ler ou ouvir música ou estar com a família. Acredito, porém, que a inspiração - ou como lhe queiramos chamar - não deverá ser uma fonte inesgotável e que de um momento para o outro poderei reconhecer que já não tenho mais nada para dizer. Se isso acontecer, terei de parar. Aliás, gostaria muito de ver os meus livros com uma projecção mais alargada a nível nacional, mas, por temperamento, remeto-me ao meu espaço e não faço nada para promover o meu trabalho. Amigas minhas que também escrevem incitam-me a agir, tal como elas fazem, mas eu não, não sei se é uma espécie de pudor que me trava, enfim…
JPB – Para quem já publicou tantos livros e ensinou ao longo de tantos anos, como é que uma Mestre em Língua e Literatura Francesa vê a literatura em Portugal, essencialmente a publicada pelos jovens escritores, possivelmente até por alguns dos seus ex-alunos?
Albertina Fernandes – É altamente encorajador reconhecer que temos escritores jovens a escrever tão bem. Penso, por exemplo, no Valter Hugo Mãe, com uma escrita tão enxuta, tão musical e despretensiosa e poética que me deixa encantada. Quem esteve no ensino durante quarenta anos, vê alunos seus em diversos sectores de actividade – cantores, médicos, escritores. A Paula Teixeira de Queiroz, que está a fazer um percurso literário bonito é um desses casos. São os jovens que amam a escrita e a ela se entregam que não deixarão agonizar a Língua Portuguesa, nos seus múltiplos registos.
JPB – Foi com o livro “PALAVRAS DA AVÓ” que deu início ao mundo da edição, por insistência dos seus netos. Acredita que eles, com a actual crise em Portugal a arrasar por completo a Educação e a Cultura, possam um dia apenas falar do que a avó escrevia há 20-30 anos, ou haverá futuro na literatura portuguesa para eles e todos os demais?
Albertina Fernandes – Como já disse, e não sendo profeta, acredito que o futuro não deixará morrer o fulgor de nossa língua e da nossa literatura. É, hoje, a nossa grande fortuna e deve ser motivo de orgulho, porque a sua riqueza é extraordinária. Os livros que deixarei aos meus netos servirão apenas para sustentar a memória desta pessoa que os amou profundamente e que pensou neles e que por eles entrou no universo da escrita.
JPB – Infelizmente chegamos ao fim da nossa belíssima entrevista, que agradeço imenso ter-me concedido. Na verdade, se me pedissem para a descrever em termos de ser humano diria apenas que a Albertina é uma mulher enorme. Mas, como se descreve a Albertina enquanto escritora e o que deseja ainda conseguir daqui para a frente?
Albertina Fernandes - Sou uma pessoa modesta, emociono-me com as alegrias e com o sofrimento dos outros, emociono-me com a música, a dança e a pintura. Gosto de ouvir as crianças cantarem as canções com as minhas letras. Gostaria de ter mais visibilidade no âmbito da escrita. Narcisismo? Talvez. Não o seremos todos um pouco? Agradeço, uma vez mais, a oportunidade desta entrevista.
Contato com o entrevistador João Paulo Bernardino (JPB)
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