Amor Nada Mais Que Amor
De repente vi-me caminhando ao derredor de mim mesma. Entranhei-me por caminhos passados; já percorridos e marcados por vivências e lágrimas. Nesses retornos, que teimosamente faço, esfolo-me até as entranhas tentando refazer o impossível. Até que a consciência do presente me alerta sobre os sepulcros, que inconscientemente eu abro, um a um, dentro de mim, vendo a dureza dos sentimentos partidos voltarem, fragmentados, mas com a força de mexerem comigo, com a intensidade absoluta desses vividos passados. Eis-me agora, fragilizada e emotiva, retornando ao imponderável desejo de (re) viver vidas, como se isso fosse possível. Vidas agora, abstratas. Ora, passado é ido, mas que importa quando ele nos bate à porta e nós, num gesto impensado a abrimos?
Penso no amor. Lembro-me de palavras brutas jogadas ao vento, feito pedras duras, que são atiradas a esmo, sem lugar de escolha onde cairão. E o amor, que queima na cripta ardente do tempo, bastando para isso o leve soprar da brisa. Ah, amor que se desconhece e se perde em seus próprios ais. Que não sabe o que dizer ou fazer porque todas as palavras já foram ditas, feito chicote a cortar a carne. Amor que ainda assim, se olha e se atira num mar de revoltas ondas a ondularem-se em frêmitos espasmos. Sim, porque é um mar revolto a contorcer-se no cio fremente do imensurável desejo do possuir. Amor que resplandece impregnado na alma e no peito, que explode em gozo, no instante supremo da troca de olhares, das mãos que procuram sem ponto ou parada certa.
Mas palavras são ditas. Gestos esmurram a fundo a alma, criando feridas que doridas e sangrentas fazem cicatrizes marcando para sempre a vida de quem se entrega ao divino sentimento, na gana do existir. Até que viram escombros. E os fantasmas assombram e se infiltram nas paredes que erguemos como defesa de nós mesmos e vão além do compreendido. De repente, há uma troca de silêncios. Tudo parece ter sido dito. Daí vem a noção de perda. A continuidade inútil das coisas se desvanece como folhas que se soltam da árvore e são levadas até caírem em um lugar qualquer. Estou exigindo de mim muito mais do que posso dar, um amor maior. Quase tão grande quanto o cosmo. O amor é fatal, mas quero-o apesar de tudo. Tenho sede dele.
Há em mim alguma coisa que me atordoa, mas quero viver largamente a vida que imagino e para isso, é imprescindível fazer este retrocesso, para compreender a mim mesma e ter a coragem de ir em frente. Retorno repentinamente ao presente. Dentro de mim, abrasado e promissor. Presente de amor verdadeiro, onde o infinito caminha comigo, aonde eu quiser ir. Lembro a frase de Clarice Lispector: “Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração.” E é assim que (in) conscientemente salvo o meu. Escrevendo. O amor verdadeiro, sorrindo, me chama para seus braços. Sempre. Escreverei uma grande e linda história... Afinal o amor é meu.
Lígia Beltrão
Janeiro de 2015