Ao bel prazer, tim TIM - por Patricia Dantas

Ao bel prazer, tim TIM - por Patricia Dantas

por Patrícia Dantas

Acordar às seis da matina não é nenhuma novidade para quem dorme cedo demais na noite anterior ou quem tem dessas manias de ficar com peso na consciência se dormir demais da conta, é o que costumo ouvir e pensar. Eu não durmo antes das duas, e até bem pouco tempo atrás não dava o braço a torcer e logo às oito, pulava de pé, algumas vezes, um pouco antes, o que impressionava quem estava por perto. Hoje, mudei alguns hábitos, comportamentos e ritmos. Gostaria de viver cada vez mais das horas das noites sublimes, completas, e traspassar todas as minhas manhãs num sono bem profundo, sem culpas ou espera de algum perdão. O lema hoje é viver, qualidade de vida, ao seu bel prazer.

Espera, quando olhei o relógio, era bem mais cedo: quatro e quinze da manhã! Olhei as luzes da rua, intactas; a rua parecia ainda dormir num sono passivo, aparentemente quieta, mas algumas vozes atrapalhavam seu sono de rainha. Costumo sempre olhar por entre as frestas, bisbilhotar a rua em seu momento cálido, íntimo, sem quase ninguém para interferir no ritmo poético do mundo. Ela toma os ares da noite e da madrugada num cálice sagrado, dá vida e se insinua para os pobres andarilhos, bêbados e viventes noturnos. Eles que têm sorte de sentir o cheiro da noite todos os dias, e nele tragar seus dissabores dos dias.

Peguei o travesseiro como quem abraça um amante, virei de um lado pro outro, e nada, ele não vinha, não estava por perto, tinha ido para algum lugar, talvez fora acalentar quem lhe pediu uma trégua; eu necessitava dele com urgência, logo, antes que fosse tarde demais e eu não pudesse mais dormir. Lentamente, tudo fervilhava, não queria mais me preocupar com sua ausência, sua cretinice àquela hora da madrugada, já quase amanhecendo, e nada dele voltar, sairá sem avisar, como de costume, sem informar que hora voltaria.

Aos poucos, bem aos poucos, pois em momentos assim presto mais atenção ao que se passa veloz dentro de mim, só para lembrar ou saber o que fazer com tudo aquilo no outro dia, talvez nem faça nada, mas desvendar o que muitas vezes está quieto, me causa um profundo espanto e acabo descobrindo espaços dentro de mim ou muito cheios ou demasiados vazios. E quando o dia chega com suas luzes fortes que acalentam qualquer dor, sufoco, nostalgia, lembranças, ausências, inquietações, já não sinto nenhum medo do que ousei ser na noite passada. É o dia que vem e coloca nossos pés no chão, não podemos estar sempre nas alturas, ainda que lutemos para isto. Tudo agora vale um brinde, regado a risos, boa companhia e boas doses de aventura na vida.

Mas, como esperava, ele viera, sonâmbulo, como um bêbado equilibrista, torto, vesgo, querendo se aprumar em sua forma fascinantemente esguia, tateando macio para mim, tomou-me nos braços e foi se esparramando em seu lugar, sua rota particular, fechando silenciosamente meus olhos, me fazendo repousar nos planos da madrugada, que foram tantos, e terei que compartilhar com alguém que já está à minha espera, que é real, humano e vive para mim. Rapidamente adormeci na companhia de um deus.

 

publicado 24/01/2014

 

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