Aquibancada - por Fernando Jacques - JAX

Aquibancada - por Fernando Jacques - JAX

ARQUIBANCADA

JAX

 

            Após pagar o ingresso, o tipo moreno, de altura mediana, junta-se à fila para entrar no Maracanã. Chegada sua vez, apresenta o bilhete e cruza a roleta com aparente satisfação. Sobe a rampa principal, assoviando uma melodia entrecortada por sopros surdos, provocados pelo ritmo de suas passadas.

            Passa pelo bar do estádio, saboreia um cafezinho e dirige-se à rampa seguinte, ao final da qual vislumbra o monumental tapete verde, palco dos sonhos de milhares de brasileiros. Após escolher seu lugar na arquibancada, senta-se e fixa seu olhar no campo, desviando-o vez por outra para acompanhar o movimento das torcidas ou a passagem de algum vendedor ambulante.  

            Próximo dele, a torcida organizada ensaia o concerto da peleja principal, valendo-se ocasionalmente da partida preliminar para melhor coordenar o sopro e a percussão. Por momentos, os trombones cessam seu ensaio, restando somente o toque surdo dos tambores: tum. Tum. Tum! Tum-tu-tu-tum! O torcedor anônimo permanece quieto em seu posto, os braços cruzados sobre as pernas, a boca cerrada, a imagem da expectativa.

            No campo, o juiz trila o apito e dá por encerrada a preliminar. As torcidas dos times principais que se defrontarão naquela noite reagem de imediato: desfraldam bandeiras, soltam gritos e foguetes, retomam a batucada mais forte. A hora vai chegando. Pelos alto-falantes, a ADEG informa a escalação de cada time, cujos jogadores são saudados por gritos de júbilo ou por vaias, conforme as preferências.

            O tipo moreno remexe-se um pouco mais em seu lugar e não oculta o nervosismo de torcedor, embora ainda não tenha expressado o nome do seu time preferido, como há muito já fazem os demais companheiros de torcida. O juiz e os bandeirinhas do cotejo principal ingressam em campo (sob vaias por enquanto educadas), seguidos pelos pequenos gandulas, que trazem as bolas debaixo dos braços. Após saudarem o público, os gandulas partem, uns rumo às bandeirinhas de escanteio, outros rumo à parte externa do gramado, vizinha à linha central.

            Os olhares concentram-se nos dois túneis de acesso ao campo, defronte a cada torcida. Perguntam-se de qual túnel sairá seu time e logo identificam alguém conhecido do clube, a responder à questão com sua presença ali. O zum-zum das vozes e instrumentos na arquibancada converte-se em verdadeiro silêncio solene, que prepara a algazarra próxima.

            Finalmente, o primeiro jogador assoma na saída do túnel e adentra o gramado, seguido pelo resto do time. Chegou o grande momento de efusão! Foguetes estouram em grande quantidade, confete, serpentina e pó-de-arroz espalham-se pelo ar, bandeiras se agitam no mesmo ritmo frenético dos gritos da torcida. Nesse instante, o torcedor anônimo já não se contém mais, ergue-se e, aos pulos, soma-se aos companheiros a berrar o nome de seu time com toda a sua força: NEEEEEEEEEEEEEEEEEEENNNNNNNNNNNNNNSEEEEEEEEEEEEEEE!!!!!!!

            No meio do campo, batendo bola, estão seus onze de ouro, pessoas a um só tempo desconhecidas e conhecidíssimas para ele. Os olhos do torcedor brilham, sua boca e sua alma sorriem. Sua vontade é correr prá dentro do campo e juntar-se àqueles atletas, em cujas mãos, ou melhor, em cujos pés está o destino de toda uma gente. Cabe aos jogadores dar à torcida uma noite de triunfo e alegria ou a decepção da derrota, na qual nenhum torcedor quer sequer pensar, por mero otimismo ou por medo de atrair a má sorte. Em poucos minutos, entrará em operação uma das máquinas mais poderosas já inventadas pelo homem. Serão momentos de tensão, em que cada torcedor mostrará todo seu conhecimento de futebol, criticará a arbitragem e exercerá as funções de técnico suplente, repreendendo o titular e as jogadas equivocadas da equipe. Haverá vibração, risos, choro e ranger de dentes.

            Avante, vocês em campo! Em cada bola chutada vão, juntos, os corações torcedores, já misturados dentro das quatro linhas. Do alto dessa arquibancada, 19* anos (quase séculos) de paixões vos contemplam. A analogia com as pirâmides egípcias provém da suprema inspiração do esporte das multidões. GOOOOOOOOOOOOOOLLLL!!!!

 

*Texto original de 20/11/69, quando o Maraca contava 19 anos.

 

in Traços e Troças (2015), editora Lamparina Luminosa, S. Bernardo do Campo, SP

 

 

 

 

 

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