AZEDUME
A árvore estava carregada de goiabinhas vistosas pedindo para serem colhidas. Mesmo sentindo o galho balançar subo para alcançar a fruta mais alta colhendo três goiabinhas antes de deslizar para o chão. Ali mesmo fui provando, os dentes triturando a frutinha aparentemente apetitosa, mas muito azeda, a ponto dos meus olhos de criança arderem. Pensando que não poderia existir algo mais azedo na vida cuspi os restos da fruta para observar com horror que além de azeda, a goiaba tinha dentro de si bichinhos asquerosos mais conhecidos como tapurus, o nojo me fez resmungar.
Se antes admirava e desfrutava a sombra daquela goiabeira, a vontade agora era de apedrejá-la tamanha a minha revolta, então fui embora sem goiabas ou desfrute de goiabas. O fato de eu ter ido colher a fruta sem a permissão da minha mãe não me incomodou pois havia feito isso inúmeras vezes, o que causou incômodo foi o sabor azedo na língua e a visão dos tapurus. Desde então, passei a detestar alimentos azedos, frutas azedas e tudo que fosse amargo.
Anos mais tarde, esquecido das goiabas e determinado profissionalmente, senti o azedume de alguém; durante a apresentação de um projeto para uma empresa, a pessoa responsável pela aprovação do trabalho demonstrou total descanso, ali estava um corpo sentado com pensamentos incomunicáveis, olhar frio e vazio, fala brusca e desmotivada. Recordei daquele menino que na infância escalou na goiabeira para colher o fruto atraente, desprezando-o por causa do gosto azedo.
O clima amargo permanecia na sala, a pessoa mal dialogava comigo, tampouco estudava o meu projeto, com uma postura radical mostrava querer encerrar a reunião que mal havia iniciado. E para acompanhar a atmosfera do lugar, foi servido suco de limão, só faltaram os tapurus para ser coadjuvante, pensei.
Se bem que, se fosse hoje eu teria arrancado aquele inocente bichinho nojento hospedado na goiaba e provado a fruta que mesmo azeda, possuía certo sabor, porque o sabor azedo de qualquer fruta não se compara com o azedume de uma pessoa.