CARICATURA DA PONTUAÇÃO
Meu cantinho beijando o jardim aguarda-me varias vezes ao dia para conversarmos
em silencio. As letras volteiam sobre minha cabeça esperando que as junte para adquirirem sentido, expressão, forma.
À minha frente tenho minha caricatura que fixa seus olhos nos meus, esperando que abra um sorriso de descompressão antes de iniciar meus trabalhos literários ou a intenção de sê-los.
Sinto minha visão rolando nas paredes brancas da peça, feito rolimã, em busca de acepção, como se nas reentrâncias dos tijolos fosse encontrar inspiração. Procuro expressões certas que forneçam uma leitura leve. É um parto de alto risco. Em algumas ocasiões sou obrigado a usar fórceps para extrair do mais fundo do cérebro alguma luz de criatividade. Vezes há em que os termos brigam entre si, não se coadunam e são levados pela cachoeira da incompreensão. Fico arrasado e prometo nunca mais tentar alguma coisa que faça sentido. No outro dia recomeço, como se nada tivesse acontecido.
Que profissão difícil e acabrunhante, a não ser nos raros momentos em que tudo sai perfeito quando me sinto sufocado pelo clamor da gloria obtida. A gloria singular na minha cadeira silente. São momentos de raro prazer.
A pontuação é o ponto alto de qualquer texto. O ponto no final do parágrafo finca pé folha adentro como que dizendo:”_daqui ninguém me tira”. Mais insistente que teimosia de moleque mal criado. O ponto (.) tem uma força insuspeitada, pois segura um monte de letras, palavras e até mesmo uma pagina inteira de pensamentos vivos e literais.
A vírgula (,) está sempre envolvida em missão de paz, separando os termos querelantes, que arengam por qualquer insuficiência. Quando o autor esquece uma vírgula, Ah! Meu Deus “o buruçú tá formado”. Tem que apagar tudo e começar de novo. Nunca fica igual, mas qualquer semelhança já é aceitável pra quem cometeu o deslize do esquecimento.
A exclamação (!) é o “granfino” de cartola, sendo em si mesmo a própria bengala. Esguio, indiferente, está ali só marcando presença. Não se digna dirigir uma palavra amistosa aos seus companheiros da escrita. Deve ser inglês, ou francês revoltado. Acho que a maioria dos franceses é revoltada, principalmente com o governo do momento. Pior são “los gallegos” – os espanhóis da Galícia que sempre dizem: “_si hay govierno soy contra”. Será que são radicais?
O “ponto e virgula” indubitavelmente é um indeciso, um muralista (aquele que não toma partido, preferindo ficar em cima do muro esperando para conhecer o vencedor). O “ponto” é o lado “macho” – a “virgula” é o lado fêmea. Como dizia Pepeu Gomes-“_o meu lado feminino”. É a velha estória do “animus e anima”. Ele sempre aparece para acalmar os ânimos de sua raça de pontuação.
A interrogação tem a graça feminina, cheia de curvas e dúvidas. Sinuoso como caminho da roça. Está ali para interromper a conversação, levando o leitor a uma insegurança entre o “sim” e o “não”. É a dama da fofoca que quer deixar todo mundo encafifado.
Reticência – tímida e covarde não tem coragem de seguir em frente, haja o que houver... Estanca no meio do caminho como se estivesse em frente a uma bifurcação que pede desembaraço. Assim se comportam esses três míseros pontinhos. (...) A coisa mais sem graça e manjada do estilo...
Acentos. Este grupo vive no andar superior, todos num só quarto, a maior zona do mundo. Tem um tal de grave que é enxerido que só vendo; vive se metendo nas letras do agudo, e aí o pau canta. Se o autor não separar a “desavença”, ele é que dança.
O acento agudo pendido para direita é igual a ponteiro de relógio que uma hora está à direita do doze, depois à sua esquerda, quando muda de nome. Todo metidinho e nervoso só quer ser gente. Magro como fim de feira, adora chamar a atenção de quem lê. Atenção leitores, se o encontrarem na letra errada, não liguem, sigam em frente e não dêem a mínima, ele faz isso só para chamar a atenção.
O grave é o macho que usa o brinco na orelha esquerda. Deve ser comunista, pois sempre vai para a canhota..
O “trema” tremeu demais e foi banido do sindicato. Demitido por justa causa, sem direito a indenização.
O “til” é a nuvem que flutua nos céus dos textos e só é requisitado quando precisam de sonoridade nasal. Vão – tão – pão – chão e outros. Ele está mais pra “fanho” que outra coisa. Tortuoso como cobra, é bonitinho que só vendo...
O travessão ( _ ) é o próprio mestre de cerimônia. À frente da elocução, como porteiro de Clube chique, indica quem fala, o que se vê muito em reuniões sindicais onde o líder ordena a palavra de ordem.
O hífen ( - ) é o elemento de ligação entre as partes inscritas no texto. É pequenininho, mas tem força de gigante.
O “apóstrofo” representa a preguiça do inglês. Em vez de dizer _a casa de Maria, diz-se Maria’s house. Grande vantagem, só ganhou duas letrinhas e ainda colocou um cisco ( ‘ ) no olho de Maria.
Dois pontos ( : ) o eterno conciliador, “meio santo” aconselha a “exclamação” a abrir seu coração, jogar para longe a angustia de seu peito, livrar sua alma do tormento do silencio. _Fale, minha filha, não guarde para si a verdade que só lhe traz sofrimento e falta de pigmento no seu propósito que é marcar emoção ou surpresa.
_Tudo bem! Vou falar. Algumas vezes uso o “parênteses” como motorista de minha sintaxe quando estou inserido no texto. Só que “ele” o “( )” ) é um chato de galocha. Quer explicar tudo para que não haja nenhuma duvida. Sempre precisa de uma historia clara e concisa, não dando margem ao leitor a botar seu raciocínio para funcionar e encontrar o “fio da meada”. A revelação dita de maneira obscurecida, empanada torna o texto mais emocionante, clamando pela perspicácia de quem pagou um por livro no intuito de descobrir seus segredos. “Ele” não deixa, quer tudo explicado nos mínimos detalhes, e isto me aborrece sobremaneira. Disse – e agora?
_Agora? Peça ao autor para não deixar margem para seu colega de página ter muito acesso à narração e assim sua dificuldade de interação com a “pontuação” estará, parcialmente, resolvida. OK? – (isto é “anglicismo”) Fora, intrometido...
José Saramago, escritor português dono de um Premio Nobel, inovou com a pontuação subtraindo de seus contos o travessão ( _ ) para emprestar “oralidade” ao parágrafo. Alguns críticos de plantão discordam da pratica, sugerindo imperfeição na matéria. O Reitor da Universidade Aberta, professor Carlos Reis concorda com o escritor, alegando elegância e inovação na frase.
O viajeiro poético percorre quilômetros de “neurônios” atrás de um raio de luz que lhe entregue uma rima, uma tragédia, um amor, uma piada, uma facúndia animadora. Pelos caminhos verdes, agrestes, deslizantes ou asfaltados, qualquer relevo ou depressão serve de mote para iniciar uma trama absorvente. É quando entra em campo a mente fértil, as palavras certas, nos momentos certos, nos lugares certos. O que não é nada fácil.
O escritor se estiver de mau humor vai escrever tragédias; de bom humor escreve humor, ou romance com humor neutro que pretende enveredar por caminhos filosóficos e só sai incompreensões , a não ser que seja filósofo... e neste momento deixa de ser uma crônica e passa para a categoria de “TRATADO”, com capa de couro e letras douradas. Custa uma nota preta.
Os escritores como Ian Fleming, Dan Brown e outros têm uma corrente diferenciada de neurônios. São os autores para cinema, assim como quem escreve para novelas de televisão. São os privilegiados do segmento do entretenimento.
O “ponto final” ah! Meu caro, é um ponto de caráter, tem posição firmada e não abre pra ninguém. É irredutível em suas decisões. Não que seja radical ou agressivo, não! Só não admite que discorram verborréias depois de sua colocação. Concede de mau humor que o autor coloque seu nome depois de si, apenas para identificação. Sente-se traído quando a “data” é inserida no contexto.
Eu vou ficando com minhas pequenas crônicas sem categoria definida. Escrevo para me divertir. Como diria Janio Quadros: “_Fi-lo porque qui-lo”.
Anchieta Antunes
Gravatá – 03/11/10