Carnaval - quem não FREVAR é FREVADO - por Silva Neto

Carnaval - quem não FREVAR é FREVADO - por Silva Neto
Sou pernambucano, moro no Recife há quase quarenta anos, adoro o Carnaval e o Frevo em especial. Gosto de ver a festa, apreciar os blocos, a diversidade de ritmos, as músicas saudosas dos carnavais passados cantadas pelos blocos líricos; as composições e melodias dos mestres Capiba e Nelson Ferreira enaltecendo a cidade e nossa gente. Até aí tudo normal.
No entanto, sou destituído de ritmo para me prestar à famosa dança do frevo. Diria mesmo um sujeito arrítmico, que nem o tambor do Olodum me faz mexer por dentro, tamborilar os dedos ou balançar a cabeça diante de um batuque.
 Mas, não é surpresa alguém me encontrar de braços cruzados, estático, reservado, assistindo aos blocos passarem em dias de momo. Apenas com um sorriso nos lábios, tal qual “O Homem da Meia-Noite”, famoso boneco de Olinda.
É assim meu comportamento perante a belíssima festa de carnaval, assistir, somente assistir na acepção da palavra, e nada mais.
Porém, certo dia, estava no meu escritório localizado no pólo da folia, em plena sexta-feira pré-carnavalesca. Do lado de fora um fuzuê danado, um palco armado onde uma banda equalizava seus instrumentos, ouvindo-se o enjoado e repetido, som..., som..., som..., alternados com batuques de baterias e acordes de bandolins, incomodando a todos que ainda permaneciam em seus escritórios, como eu.  O cerco estava se fechando para dentro de poucos instantes a atração começar.  Era um bloco famoso que saia todos os anos, na sexta-feira antes do Carnaval, sendo o palco a concentração.  Apressei-me para sair do escritório antes que fosse tarde. Atirei na bolsa alguns papéis para completar o trabalho em casa, no feriadão, pois, àquela altura, não havia ninguém no prédio, acho que só eu, pois todos os escritórios estavam fechados.
 Ao chegar à portaria, o barulho aumentava aos meus ouvidos, pela quantidade de foliões em frente ao prédio, esquentando seus tamborins com muita cerveja, ansiedade e algazarra.
Não sou agorafóbico*, mas, estava apreensivo, mesmo do lado de dentro do prédio, pensando como iria romper toda aquela multidão. E se o show começasse naquele instante?..., Pensava!... Estaria em maus lençóis!...
Coloquei os pés ao lado de fora, olhei a multidão com olhar inteligente, por sinal, descobrindo um bloco de senhoras, (boa idade) sentadas ao chão, ao lado direito do palco daquela rua estreita. Pensei! Vou tentar chegar até lá, pois, ali, estarei são e salvo, mesmo que o show comece enquanto eu passar por lá,  aquelas senhoras não irão pular o frevo com tanto entusiasmo quanto à juventude.   Assim, dará tempo de sair pela rua dos fundos e alcançar meu carro estacionado na outra esquina...
 Minha ansiedade crescia pela vontade de sair o mais depressa possível daquele ambiente, pois não estava vestido adequadamente para aquela festa. De calça social, camisa manga longa, portando uma bolsa de couro estilo 007, nada convencional à proposta de um folião.
 O cheiro do álcool exalava ao vento, enquanto acotovelávamos pedindo licença e desculpas, rompendo pernas e braços nus até chegar ao bloco daquelas senhoras.  Elas tranquilas e calmas além do normal estavam fantasiadas com saias longas coloridas, apetrechos típicos na cabeça, plumas e paetês, colares, faixas e miçangas, abanando-se com leques, semelhantes a araras de parques escovando suas penas. Se conseguisse chegar até lá, bom!...Ficaria protegido, mesmo se o show começasse, tornando-se fácil seguir adiante e cair fora ileso daquele alvoroço.
 De repente, um apito longo semelhante ao encerramento de uma partida de futebol, a banda dispara um frevo rasgado pra início de conversa, ou melhor, de show.  Eu estava alcançando o bloco das senhoras, e aquilo me pegou de surpresa.
Estático, levei um encontrão, caindo entre o bloco das senhoras, onde desejei estar. Todas se levantaram de uma só vez, pulando e dando rasteiras de sombrinha em punho, enquanto eu, elemento neutro e maleável, tentava equilibrar-me aos trancos e solavancos, ora no chão, ora suspenso, sem rumo, sem prumo, entre aquelas que julgava serem mansas e frágeis em função da idade. A fobia aumentou meu pânico, quando olhava para cima, o único lado capaz de se ver alguma coisa, mesmo assim, tomado de sombrinhas rodopiando ao ar, envolvidas em fitas, confetes e serpentinas, ao odor de suor e cerveja. Eu, a essas alturas, semelhante a um “teimoso” (mamolengo) levado pela correnteza, caia e levantava-me, enquanto agarrava-me às saias daquelas mulheres, segurava a pasta com força para não perder os documentos. A música longa dava-me calafrios, não pela melodia em si, mas, pela demora em acabar, sendo o mais horripilante o fôlego daquelas senhoras que não paravam de pular, rastejar, requebrar, piruetar em acrobacias fantásticas ao ritmo do frevo louco e repetido. Exausto, jogado e esquecido, já pensava em morrer pisoteado, quando um anjo, (anjo do frevo), caído do céu, esbarrou em mim, tomou a minha mão e disse em voz alta: Pula!...Pula!... João!... Pula! Meu filho!...Pula ao ritmo!...Continua pulando!...Continua!... Após ouvir aquela voz suave e sentir a quentura de suas mãos, recebi um carinhoso beijo na face e o anjo sumiu.
Só sei que daí pra frente uma força apoderou-se de mim, entre o desespero e medo de morrer em pedaços, continuei pulando ao ritmo, pulando, pulando, até, finalmente, escapar pela tangente. Ainda procurei o anjo para agradecer, ou melhor, a (anja), isto é, se anjo tiver sexo. Foi assim que aprendi a dançar o frevo, embora, hoje, não arrisco entrar na multidão pela lembrança e fobia adquirida.
Caro leitor, quer uma receita para aprender a dançar o frevo?
Faça como eu... Trabalhe em dia de carnaval!     
•    Agorafóbico, de Agorafobia: Pessoa que tem medo de está entre multidões.
 
•    João.digicon@gmail.com  João Bezerra da SILVA NETO- Contador/Escritor   
 
 
 
Sou pernambucano, moro no Recife há quase quarenta anos, adoro o Carnaval e o Frevo em especial. Gosto de ver a festa, apreciar os blocos, a diversidade de ritmos, as músicas saudosas dos carnavais passados cantadas pelos blocos líricos; as composições e melodias dos mestres Capiba e Nelson Ferreira enaltecendo a cidade e nossa gente. Até aí tudo normal.
No entanto, sou destituído de ritmo para me prestar à famosa dança do frevo. Diria mesmo um sujeito arrítmico, que nem o tambor do Olodum me faz mexer por dentro, tamborilar os dedos ou balançar a cabeça diante de um batuque.
 Mas, não é surpresa alguém me encontrar de braços cruzados, estático, reservado, assistindo aos blocos passarem em dias de momo. Apenas com um sorriso nos lábios, tal qual “O Homem da Meia-Noite”, famoso boneco de Olinda.
É assim meu comportamento perante a belíssima festa de carnaval, assistir, somente assistir na acepção da palavra, e nada mais.
Porém, certo dia, estava no meu escritório localizado no pólo da folia, em plena sexta-feira pré-carnavalesca. Do lado de fora um fuzuê danado, um palco armado onde uma banda equalizava seus instrumentos, ouvindo-se o enjoado e repetido, som..., som..., som..., alternados com batuques de baterias e acordes de bandolins, incomodando a todos que ainda permaneciam em seus escritórios, como eu.  O cerco estava se fechando para dentro de poucos instantes a atração começar.  Era um bloco famoso que saia todos os anos, na sexta-feira antes do Carnaval, sendo o palco a concentração.  Apressei-me para sair do escritório antes que fosse tarde. Atirei na bolsa alguns papéis para completar o trabalho em casa, no feriadão, pois, àquela altura, não havia ninguém no prédio, acho que só eu, pois todos os escritórios estavam fechados.
 Ao chegar à portaria, o barulho aumentava aos meus ouvidos, pela quantidade de foliões em frente ao prédio, esquentando seus tamborins com muita cerveja, ansiedade e algazarra.
Não sou agorafóbico*, mas, estava apreensivo, mesmo do lado de dentro do prédio, pensando como iria romper toda aquela multidão. E se o show começasse naquele instante?..., Pensava!... Estaria em maus lençóis!...
Coloquei os pés ao lado de fora, olhei a multidão com olhar inteligente, por sinal, descobrindo um bloco de senhoras, (boa idade) sentadas ao chão, ao lado direito do palco daquela rua estreita. Pensei! Vou tentar chegar até lá, pois, ali, estarei são e salvo, mesmo que o show comece enquanto eu passar por lá,  aquelas senhoras não irão pular o frevo com tanto entusiasmo quanto à juventude.   Assim, dará tempo de sair pela rua dos fundos e alcançar meu carro estacionado na outra esquina...
 Minha ansiedade crescia pela vontade de sair o mais depressa possível daquele ambiente, pois não estava vestido adequadamente para aquela festa. De calça social, camisa manga longa, portando uma bolsa de couro estilo 007, nada convencional à proposta de um folião.
 O cheiro do álcool exalava ao vento, enquanto acotovelávamos pedindo licença e desculpas, rompendo pernas e braços nus até chegar ao bloco daquelas senhoras.  Elas tranquilas e calmas além do normal estavam fantasiadas com saias longas coloridas, apetrechos típicos na cabeça, plumas e paetês, colares, faixas e miçangas, abanando-se com leques, semelhantes a araras de parques escovando suas penas. Se conseguisse chegar até lá, bom!...Ficaria protegido, mesmo se o show começasse, tornando-se fácil seguir adiante e cair fora ileso daquele alvoroço.
 De repente, um apito longo semelhante ao encerramento de uma partida de futebol, a banda dispara um frevo rasgado pra início de conversa, ou melhor, de show.  Eu estava alcançando o bloco das senhoras, e aquilo me pegou de surpresa.
Estático, levei um encontrão, caindo entre o bloco das senhoras, onde desejei estar. Todas se levantaram de uma só vez, pulando e dando rasteiras de sombrinha em punho, enquanto eu, elemento neutro e maleável, tentava equilibrar-me aos trancos e solavancos, ora no chão, ora suspenso, sem rumo, sem prumo, entre aquelas que julgava serem mansas e frágeis em função da idade. A fobia aumentou meu pânico, quando olhava para cima, o único lado capaz de se ver alguma coisa, mesmo assim, tomado de sombrinhas rodopiando ao ar, envolvidas em fitas, confetes e serpentinas, ao odor de suor e cerveja. Eu, a essas alturas, semelhante a um “teimoso” (mamolengo) levado pela correnteza, caia e levantava-me, enquanto agarrava-me às saias daquelas mulheres, segurava a pasta com força para não perder os documentos. A música longa dava-me calafrios, não pela melodia em si, mas, pela demora em acabar, sendo o mais horripilante o fôlego daquelas senhoras que não paravam de pular, rastejar, requebrar, piruetar em acrobacias fantásticas ao ritmo do frevo louco e repetido. Exausto, jogado e esquecido, já pensava em morrer pisoteado, quando um anjo, (anjo do frevo), caído do céu, esbarrou em mim, tomou a minha mão e disse em voz alta: Pula!...Pula!... João!... Pula! Meu filho!...Pula ao ritmo!...Continua pulando!...Continua!... Após ouvir aquela voz suave e sentir a quentura de suas mãos, recebi um carinhoso beijo na face e o anjo sumiu.
Só sei que daí pra frente uma força apoderou-se de mim, entre o desespero e medo de morrer em pedaços, continuei pulando ao ritmo, pulando, pulando, até, finalmente, escapar pela tangente. Ainda procurei o anjo para agradecer, ou melhor, a (anja), isto é, se anjo tiver sexo. Foi assim que aprendi a dançar o frevo, embora, hoje, não arrisco entrar na multidão pela lembrança e fobia adquirida.
Caro leitor, quer uma receita para aprender a dançar o frevo?
Faça como eu... Trabalhe em dia de carnaval!     
•    Agorafóbico, de Agorafobia: Pessoa que tem medo de está entre multidões.
 
•    João.digicon@gmail.com  João Bezerra da SILVA NETO- Contador/Escritor   

 

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