Por Shirley M. Cavalcante (SMC)
Eu me chamo Caroline Peres Couto, sou antropóloga, formada pela UFF em Ciências Sociais e com mestrado em antropologia pela Universidade de Montreal, Canadá. Atualmente sou doutoranda pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
“O que aprendi com isso é que para um trabalho ganhar densidade e complexidade precisa de muito tempo, o que a lógica de produção da academia nos tirou.”
Boa Leitura!
Escritora Caroline Peres Couto, é um prazer contarmos com a sua participação na Revista Divulga Escritor, conte-nos o que a motivou a escrever "O samba serpenteia com o Escravos da Mauá: uma nova perspectiva sobre o porto do rio de janeiro"?
Caroline Couto - O que me motivou a escrever esse livro foi me dar conta de que o bloco do Escravos da Mauá teve uma capacidade inigualável de atrair um público inédito em suas rodas de samba, numa região até então pouco conhecida por cariocas moradores de outros bairros e que estava até então muito estigmatizada e considerada perigosa. Então eu passei a frequentar as rodas e observar coisas muito preciosas que ocorriam ali, como a insistência por parte do bloco de salientar valorização do patrimônio histórico e sua capacidade de fazer emergir uma afetividade para com o porto, pelas redes de sociabilidades que eram ali tecidas. Insistiam no fato de ali ser a matriz da cultura popular da cidade, e de que ali viveram e passaram muitos dos nossos ancestrais. Percebi que não havia nenhum trabalho que falasse sobre esse fenômeno que é o bloco e decidi então investigar esse fenômeno e contar um pouco de sua história.
Conte-nos um pouco sobre o livro
Caroline Couto - O livro brinca com o “mistério” de como esse fenômeno todo ocorreu. Pois, se por um lado, o Escravos da Mauá se tornou o “gigante” dos blocos da região portuária, (tendo atraído 20 mil pessoas no carnaval de 2007), por outro, o grupo sempre andou na contramão do sucesso, almejando sempre manter seu ar intimista, divulgando seus eventos somente entre amigos. Além disso, conta o fato da região, como disse, ser muito estigmatizada, logo pouco sedutora e aprazível de ser frequentada por moradores de outras partes da cidade. Como então entender o que houve ali? É o que tento explicar.
Quais os principais desafios para a escrita desta obra?
Caroline Couto - O principal desafio foi justamente criar uma hipótese explicativa onde tudo era muito pouco preciso e demandava muito da minha criatividade também para fundamentar uma explicação, mesmo que altamente subjetiva. Porque uma das coisas que eu tenho certeza ao investigar qualquer fenômeno social é que não há uma linha pela qual você consegue “puxar” e desvendar “de frente pra trás”, como fala o antropólogo Tim Inglod. Essa detecção da verdade que seguiria do tempo atual ao passado revelando suas nuances simplesmente não existe.
O que mais a encanta em "O samba serpenteia com o Escravos da Mauá: uma nova perspectiva sobre o porto do rio de janeiro"?
Caroline Couto - Me encantam dois aspectos centrais: a amizade que se forma ao longo dos 23 anos de bloco, entre os frequentadores assíduos, e a capacidade de criarem uma atmosfera muito positiva na região e a relação do carnaval de rua com o processo de redemocratização brasileira. A rua, a agremiação carnavalesca, a possibilidade de estar em coletividade, se organizando tornaram-se símbolos para muitos blocos que nascem pós-ditadura, símbolos que vão de encontro à censura e ao cerceamento de direitos. O corpo – físico e político – é liberto no carnaval.
Algo a surpreendeu enquanto escrevia o livro, como foi a construção do enredo que compõe a obra?
Caroline Couto - Acho que o que me surpreendeu mesmo foi a capacidade das pessoas ainda resistirem a todas as adversidades da cidade e fazerem amizades nos encontros na rua. Isso é incrível, essa abertura sincera ao outro. Lembro-me de que, quando criança, os adultos sempre diziam que as amizades que teríamos para o resto da vida seriam feitas na infância, adolescência. Acompanhar os frequentadores da roda do Escravos quebrou com essa lógica (opressora) que diz que adultos não conseguem fazer amizades profundas. Pode ser raro, mas acontece.
A construção do enredo foi investigativa, logo se deu de forma processual. Alguns insights me surgiram somente anos depois de ter terminado o campo, a partir de leituras outras que fui fazendo. O que aprendi com isso é que para um trabalho ganhar densidade e complexidade precisa de muito tempo, o que a lógica de produção da academia nos tirou. Por isso considero esse trabalho, “solo”, foi reconstruído por mim sem uma orientação nem bolsa desde o fim da monografia que gerou essa pesquisa, que foi em 2009.
Onde podemos comprar o seu livro?
Caroline Couto - Na livraria Folha Seca, na Travessa e também on-line pela editora Mórula (com frete grátis) https://morula.com.br/produto/escravosdamaua/
Como você vê a literatura nacional?
Caroline Couto - Difícil essa pergunta, porque não sou exatamente do ramo da literatura, tampouco me considero uma escritora, mas sim que é da escrita, basicamente, ainda, que a divulgação do tipo de trabalho que faço depende. Contudo, acredito que as pessoas ainda veem o processo criativo da escrita como algo mágico, de fundo meramente inspirador, o que é uma falácia. Sou casada com um escritor – esse sim considero digno da palavra – que, por razões óbvias, considero genial, mas sei como a escrita é labuta, não é inspiração (somente). Com esse livro aprendi também que nosso destino é escrever e reescrever, reescrever, editar, reescrever... dezenas de vezes. Nada vem do céu. É sentar e encarar o trabalho.
Que tipo de textos gostas de ler?
Caroline Couto - Leio muitos livros do meu ramo, sociologia e antropologia. Desde que me casei com o Zeh Gustavo acabo me deixando levar pelas indicações dele, que considero de bom gosto. Aprecio muito o que chamam de realismo fantástico, como acredito que são as obras de Gabriel Garcia Márquez e Mia Couto, por exemplo.
O que mais a encanta na leitura destes tipos de textos?
Caroline Couto - Me encanta justamente algo que me interessa também no fazer antropológico, que é extrapolar a lógica, o racional, o real... Acho que o papel do cientista social nos tempos atuais também é esse.
Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer melhor a escritora Caroline Couto. Agradecemos sua participação no projeto Divulga Escritor. Que mensagem você deixa para nossos leitores?
Caroline Couto - Eu espero que cada vez mais os acadêmicos possam fazer obras palatáveis para um público em geral e que outras pessoas possam se apaixonar pelo “misticismo” da antropologia, como aconteceu comigo. Que o conhecimento se difunda para além dos especialistas.
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