Casamento Matuto - de verdade - por Silva Neto

Casamento Matuto - de verdade - por Silva Neto

Casamento Matuto (de Verdade) – Por Silva Neto

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Entre os costumes e tradições do Nordeste brasileiro, por ocasião das festas juninas, está a Quadrilha de São João. Típica dança caipira, a quadrilha nordestina incorporou o casamento matuto. A noiva, o noivo, o pai da noiva e o padre são os quatro elementos introduzidos ao folguedo, sem os quais, perderia a graça, a ingenuidade e o lado cômico. Em meio à dança uma parada para a celebração do casamento. Risos incontidos, verdadeiras gargalhadas diante do desenrolar da cena provocada pelos noivos caipiras vindos da roça. Zé ofendeu Maria (nomes fictícios). Portanto, deve casar  por bem ou por mal. Daí surgiu a tão conhecida expressão: “casamento a pulso”. Tudo nasceu bem lá atrás quando se zombava dos costumes, maneira simples de vestir, ingenuidade, linguajar incorreto e sotaque carregado do homem do campo ou caipira.  Claro que estamos falando da encantadora dança da Quadrilha de São João, cuja intenção é a de fomentar o lazer, perpetuar os costumes e tradições da gente guerreira  e criativa do Nordeste.

No entanto, o casamento a pulso existia e ainda existe nos lugarejos desse imenso Brasil.

Passo a descrever um casamento matuto de verdade entre outros aos quais assisti em minha cidade natal quando criança.

Era um dia de sábado, mês de maio, tradicionalmente conhecido como o mês das noivas.

Estava brincando na rua onde morava, juntamente com as crianças de mesma idade, quando, à distância, um reboliço. Aproximava-se dali uma cavalgada composta de animais suados, transportando cavaleiros em trajes típicos de cerimônia casamenteira. À frente o noivo e a noiva montados no mesmo animal. Logo atrás, os pais dos noivos. Em seguida, a parentela e convidados, todos, adentravam a cidade em direção à Igreja Matriz.

Até aí tudo normal se não fossem os “maloqueiros” em algazarra escoltando aquela comitiva, atirando pedras e em coro repetido:_ Matutos! _Matutos! _O teu tá enxuto! Viva os noivos matutos!

Aqui, em nossa linguagem interiorana, “maloqueiro” é o menino de rua, o mesmo que “trombadinha” na cidade grande. A diferença é que não era tão maldoso quanto o de hoje a ponto de assaltar a mão armada, usar drogas, praticar furtos de grande monta, ou até cometer assassínio. As traquinagens desses garotos resumiam-se em roubarem frutas dos quintais dos vizinhos, quebrarem vidraças com jogos de bolas ou lâmpadas públicas com pedradas atiradas a ermo; debocharem e excitarem os loucos da cidade; brigarem entre si e serem expulsos das escolas por mau comportamento. Eram apenas garotos vadios, necessitados de maiores cuidados domésticos e escolaridade, geralmente órfãos de pais.

 O cortejo nupcial aproximava-se em direção a um Centro Social que o acolhia a fim de preparar os convivas e os noivos para as núpcias, antes de seguirem para a Igreja matriz. Montados a cavalo, burros e jumentos, com as calças dobradas e vestidos erguidos por causa da lama; outros descalços, carregando seus trajes apropriados para a cerimônia; ali era o local ideal para se ajeitarem dentro das condições que o momento exigia. Mesmo assim, após todo aparato, era visível a deficiência na maneira de vestir. Os homens, não combinando os paletós com as calças, além de coronhas, (curtas demais), cores desconforme, sapatos inadequados, gravatas de cores berrantes com “nó de porco”, (expressão conhecida como nó de gravata grosseiro), enfim, pareciam passarinhos com as asas quebradas. As mulheres, enroladas feito pamonhas, com lábios dobrados a ruge, sobrancelhas arqueadas, sapatos à Luiz Quinze. Noivo e noiva, um arraso! Arraso mesmo! Dignos de uma cerimônia de Óscar.   Ao deixarem o Centro Social uma saraivada de pedras atiradas pelos molestados, aumentando o coro em gritos uníssonos de desassossego, deixando o noivo atordoado e fora de controle. — Venham pra cá, seus filhos da p!... Seus cachorros da moléstia! Seus engreguenados! De peixeira à mão, Zé se transformava em verdadeiro louco. Maria, sua noiva, voz fina, desafinada e chorosa, segurava o noivo e aconselhava-o: — Vem pra cá amor! —Vá não, Zé! —Deixa esses molestados pra lá! Zé não dava trégua. Defendia sua amada num gesto de cabra “macho” devolvendo os palavrões e atirando pedras para todos os lados. Enquanto eles repetiam: — matuto! —Matuto! —O teu tá enxuto!—Viva os noivos matutos!

Entre o Centro Social e a Igreja, distância de uns trezentos metros, uma ladeira, embora calçada com paralelepípedos, íngreme, tal qual a Ladeira da Misericórdia de Olinda, por onde haveriam de passar. Mais uma via sacra na vida daquele apaixonado casal e sua comitiva. As mulheres entronchavam os pés, em cima daqueles soltos exagerados.

Enquanto Zé, o noivo, igual a um galo garnisé, soltava a mão da noiva correndo desembestado, ladeira abaixo, atrás do bando, com os bolsos cheios de pedras, deixando Maria, aflita e todos apreensivos.

— Zé, meu macho! —Vem prá cá!—“Tu num sabe que num vai pegar esses abestados!”.

Enfim, adentram à Igreja. Mas, antes de entrar, Zé manda um recado ao bando: — Espere, viu? — “Deixe eu sair da cerimônia!”  —Vou pegar um a um e capar (castrar) como se capa um bode! Tirando as pedras do bolso e colocando-as a um canto da Igreja, Zé segura a mão da noiva e segue em frente para o altar. Enquanto os maloqueiros os esperam do lado de fora pendurados nas janelas da Igreja.

Eu também estava lá, para conferir e contar esta história, dezenas de anos depois.

Viva os noivos matutos!

Contarei o final dessa história maluca no próximo texto. kkkkk!

 

 

 

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