Certezas - por Lígia Beltrão

Certezas - por Lígia Beltrão

Certezas

 

       Escuto o lamento da fadista e lembro-me do amor, que entranhado em mim chora a saudade da distância.  Hesito diante da escolha do ir ou ficar. A música pranteada deixa-me em êxtases. Dentro de mim trago os arroubos da memória e os rios dos meus olhos deslizam lentos pelo meu rosto e lavam a minha noite escura, que se esgarça ante uma madrugada silenciosa de recordações tantas. A mim, parece que finquei meus rastros na terra onde passei deixando para sempre um pedaço de mim. O chão é estrangeiro, mas é como se eu fosse um dos seixos que revestem suas ruas. Fico presente, ainda que imperceptível, nos pedaços por onde andei. Desenhei pegadas. Sorri para as flores que desabrochavam voluntariosas, ali, no meio da relva verdinha e fresca de dias primaveris. Logo, sinto cheiro de eternidade nas vivências, mesmo que sejam efêmeras.

       Sou tão voluntariosa quanto aquelas pequenas flores, principalmente aquelas que teimam em desabrochar nas rochas, na intenção de doar-me a ti, e isso é tudo o que me impele a perseguir a vida. Antigas represas desaguam em mim. Escrevo-te, assim trago-te para junto, para alívio dessa saudade que me consome. Ainda inspiro e exalo o cheiro inebriante que me vestiu por algum tempo, por inteiro. Seria delírio? Que seja! O que importa são os meus olhos brilhantes vestidos na cor da felicidade. Indecifráveis sentimentos que dominam os meus delírios de amor. Não esqueço o teu rosto quando te vi pela primeira vez. Nem o teu sorriso a dizer-me: - vem, vem sem medo, que os meus braços te protegerão! -.

       Eu me entrego fragilizada e me dou o direito de abandonar as raízes do equilíbrio. O que me importa se ninguém entender a minha imprudência em desejar-te? A minha gana de viver uma felicidade que perpetuo em mim em momentos prometidos e que me dá a coragem de persistir, e ir à busca dos caminhos, onde quero soltar as rédeas que me prendem ao medo de ousar viver em plenitude. Essa sou eu! Mantinha-me escondida no invólucro do não posso, até dar-me conta de que eu sou dona dos meus desejos e senhora do meu destino. Não me leves a mal, vida, mas quero comer-te esganada, agora que és raspa de um prato já experimentado no amargor das horas e conheço os teus dissabores. Quero agora os afetos desconhecidos que guardas ai, em latitudes outras, mas que sei, são meus.

       Fecharei a mala em breve. Não é mais tempo de falar, mas de sentir o longe que é tão presente. Careço de algum esvaziamento para sentir com intensidade o tempo que já não tem por onde esgueirar-se, mas que ao juntar os corpos fatigados da espera, a beleza do reencontro imprimirá o caráter da eternidade. Saberemos zelar o simbólico altar dos deuses do amor.

                                                                          

 

 

 

 

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