C H U V A N A S E R R A
Um caudaloso rio procurava em desespero uma falha no firmamento para desabar em cascata; encontrou-a em cima de nossa serra pacata. Desabou como um corpo cansado da lida no eito. O rio estava exausto de navegar num mar de nuvens sem fim, sem direito a apogeu ou recesso. Só pensava em transbordar em margens desconhecidas; queria molhar terras gretadas de sol inclemente, pintadas de carcaças de gado morto de sede.
Caiu em cima do cocuruto de nossa serena cidade serrana. Molhou ruas e avenidas; molhou não! Transbordou bocas de lobo, cobriu meio fio, lavou calçadas, arrastou carros e carroças que navegavam como caravelas em mar bravio. Fazia gosto ver tanta água ladeira abaixo, levando tudo o que encontrava pela frente, como se fosse um grande crocodilo faminto, devorando carnes e lagrimas.
O povo pendurava-se nas janelas para ver o alvoroço dos desprotegidos correndo para salvar uma panela sem cabo, um balde sem alça, uma mala cheia de roupas de bonecas. Uns gritavam de entusiasmo, outros choravam a perda de toda uma vida de trabalho. É assim a vida, boa para alguns e má para os desesperançados, os coitados de cuia na mão. O povo gosta de chuva, porém de chuva cautelosa, não em abundancia, afinal de contas cidade não é represa!
Os meninos gritavam:_mãe, tô vendo uma porção de peixes de escamas brilhando nos pingos de chuva.... mãe! Tá chovendo peixe. Vamos comer à vontade, até os gatos estão aproveitando...
_Menino, ta ficando doido? Onde já se viu chover peixe!!!
_Ora! Por que não, não chove canivete? Peixe é melhor que canivete.
_Pois vá lá fora e traga um bocado de peixe pro almoço.
_Vô não! Tá chovendo muito, vou me molhar todinho, quero não!
Assim foi a chuva na serra, com direito a peixe e tudo. Faz um tempão que não vejo uma chuva tão dadivosa. Só Deus mesmo!
ALAOMPE
Anchieta Antunes – Copyright
Gravatá – 04/01/2015