Mário de Méroe
Tais fundamentos jurídicos fundamentaram brilhante parecer de lavra do ilustre representante do Ministério Público do Estado de São Paulo, oficiando em ação de retificação de registro civil, na qual o autor pleiteou a integração, ao seu nome civil, de agnome originário de título nobiliárquico transmitido por seus ascendentes e sempre usado em suas relações sociais, buscando, com essa providência, elidir os inconvenientes da homonímia então existente.
Do parecer ministerial em apreço, transcrito parcialmente como ilustração, destacamos:
“No caso dos autos, a motivação da alteração do nome como proposto na inicial, objetivamente enfocada, insere-se seguramente nas razões acima expostas, ou seja, adequa-se à necessidade de melhor identificação do autor, já que, como comprovado nos autos, socialmente é o apelante identificado como (omissis) e, assim, ainda que excepcionalmente, o pedido tem base para o seu deferimento”...
Do V. acórdão do TJ/SP, dando provimento, por votação unânime, à apelação oferecida face ao indeferimento do pleito em 1ª instância, colhe-se:
“Nada impede que se abra exceção ao art. 57 da Lei de Registros Públicos, quando a pessoa interessada sempre foi conhecida pelo nome que deseja adotar” (RT 532/86, RJTSP 47/189, com base nessa orientação, o juiz Ruy Coppola, de São Bernardo do Campo, deferiu pedido do líder metalúrgico Luís Inácio da Silva, que passou a se chamar Luís Inácio Lula da Silva). Nesse sentido, mais liberal tem-se orientado a jurisprudência, desde que cabalmente satisfeita a prova quanto ao nome pelo qual o interessado é conhecido no seu meio social e que, por isso, quer acrescentar ao prenome registrado”...
Finaliza, o venerando aresto:
“Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso para deferir o pedido inicial, sendo que a retificação deve abranger os assentos dos... casamentos e do nascimento de seu filho... com a observação de a anotação da retificação do nome, em virtude da presente ação judicial, deve sempre constar das certidões expedidas pelo Registro Civil”[1]...
No exemplo acima, o provimento judicial reconheceu os efeitos sociais[2] do uso continuado do predicado nobiliário, como parte do nome e da identificação do requerente, e permitiu sua inscrição no registro civil, integrando ao nome do autor o predicado ducal de Méroe, de tradição de seus ancestrais, pondo fim a constrangedoras situações de homonímia.
Observamos que, ao contrário do que ocorreu no Brasil, há países em que a mudança dos sistemas de governo e a abolição das outorgas nobiliárias não descuraram de preservar suas tradições. Na Itália, por exemplo, a Constituição de 1947 prevê, nas Disposições Transitórias e Finais, que embora os títulos nobiliários não sejam reconhecidos pelo governo republicano, os predicados deles decorrentes, anteriores a 28/10/1922, sejam agregados como parte dos nomes civis de seus possuidores. Segue parte do texto constitucional italiano:
XIV. I titoli nobiliari non sono riconosciuti. I predicati di quelli esistenti prima del 28 ottobre 1922 valgono come parte del nome[3].
(Versão: Os títulos nobiliários não são reconhecidos. Os predicados daqueles existentes antes de 28 de outubro de 1922, valem como parte do nome).
Outros países (Espanha, p. ex), permitem aos descendentes e sucessores dos agraciados agregarem os predicados nobiliários herdados ao nome de nascimento.
[1] Cf. inteiro teor no Capítulo V, Jurisprudência Nobiliária.
[2] O autor pleiteou o reconhecimento dos efeitos sociais, não da qualidade nobiliárquica, o que não poderia ser deferido pelo Poder Judiciário, por ausência de previsão legal.
[3] Costituzione della Repubblica Italiana - Disposizioni Transitorie e Finali
Fonte: Gazzetta Ufficiale del 7 dicembre 1947.
Publicado em 17/01/2014