Depois do Prêmio - por Maria Estela Ximenes

DEPOIS DO PRÊMIO

 

Você conhece alguém que já ganhou na loto? Ou melhor, permaneceu amigo dessa pessoa?

O fato ocorreu há muitos anos. Os moradores ficaram surpresos com um potente carro cinza estacionado em frente à casa vizinha. Depois  soubemos que a sorte bateu à porta daquela família, composta pelo casal e as duas filhas gêmeas. Os felizes  ganhadores disseram que o prêmio não os tornaram ricos, mas que daria para realizar parte dos sonhos.

Nas primeiras semanas, após terem conquistado o prêmio, a vizinha conversava alegremente  dizendo que finalmente iria para o interior de Minas Gerais, onde comprariam um sítio.

Os vizinhos, por sua vez, queriam  saber o valor exato do prêmio, manifestando o natural sentimento de inveja.

A vizinha ganhadora do prêmio era conhecida no bairro pela humildade – repetia que nunca deixaria de visitar os amigos do bairro. “Mesmo morando longe, não deixarei  de visitar a igreja e comunidade do bairro” – dizia. O estado de êxtase da família endinheirada durou uns quinzes dias.

E no dia da partida, a mulher distribuiu beijos e abraços aos vizinhos, prometendo visitá-los em breve. Ainda tinham a casa e os móveis  antigos que colocariam à venda.

Meses depois, a família apareceu no bairro – já era possível perceber  mudanças consideráveis nos ganhadores do prêmio, tanto na aparência como na postura. Começaram  a maldizer do bairro que outrora moravam; esqueceram  de alguns vizinhos. E não demorou  para que a casa fosse vendida, os procedimentos fossem concluídos e a família  desse  adeus aquele bairro.

Ganhar um grande prêmio deve  ser uma experiência  única – no começo, o pobre vive a fase do sonho, acredita que a sua essência não será modificada ou que preservará as suas humildes  raízes. Depois, o poder lidera o espírito e a pessoa  passa a negar as coisas simples  que um dia desfrutou.

Os moradores daquele bairro nunca mais tiveram  notícias da família premiada, parece até que subiram numa nave espacial e partiram, Não condeno a família. Em seu lugar, eu também sumiria – não digo para uma nave, pois não aprecio o desconhecido, mas para uma bela casa de praia, sim.     

 
 
Crônica do livro: Um pindaíba nunca está sozinho

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

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