Direito Nobiliário: possibilidade de Inserção no direito positivo brasileiro.
Excertos de Direito Nobiliário[1]
A temática nobiliária, por suas peculiaridades, tem despertado interesse nos estudiosos das ciências sociais e jurídicas, conforme demonstrado em recentes produções de teses acadêmicas e pesquisas embasadas na vida e obra de vultos da fase monárquica da história pátria (vide notas de rodapé nº 15 e 16, na obra citada). Em decorrência, pode-se cogitar da instalação do Direito Nobiliário no arcabouço legal, com as adaptações necessárias.
Nessa hipótese, sendo o ordenamento jurídico brasileiro, republicano, o Direito Nobiliário ficaria alojado, apropriadamente, na área do Direito Civil, como especialidade do direito de família e das sucessões. Assim o entendemos, pois o Direito Civil se caracteriza como a capa dos direitos do cidadão, considerado este como pessoa física e sua individualidade.
Essa, também, é a conceituação do ilustre Conde de Borrajeros[2], no Prólogo de seu conceituado “Estudios de Derecho Nobiliario”, vol. I, p.15 (prólogo) caput.
Com estrutura republicana, o ordenamento jurídico brasileiro apenas agasalha as pretensões embasadas em referências prévias, como p. ex., sucessão patrimonial. Nada prevê sobre as honras nobiliárias, embora o direito premial (no sentido de agraciamento por méritos) faça parte de sua estrutura (art. 84, XXI da CF).
Assim, eventual lide teria como partes, nos polos ativo e passivo, exclusivamente pessoas físicas, particulares, e o interesse em disputa seria um bem honorífico, também particular ou familiar (mesmo nesse caso, haverá apenas um pretendente a cada geração, conforme já exposto).
Não há, portanto, nenhum interesse estatal na litigância nem em seu desfecho. Assim, s.m.j., entendemos que o Direito Nobiliário poderia situar-se (no caso brasileiro), na órbita do Direito Privado, alojando-se como uma especialidade do ramo do Direito Civil.
Da competência
No Brasil, eventuais negócios jurídicos originários de questões nobiliárias deverão ser apreciados pela justiça estadual ou federal? Qual é o campo de competência que melhor poderia suportar e decidir essa inusitada lide?
Observamos que possíveis questões originárias de algum aspecto (geralmente sucessão) da carta nobiliária, mesmo surgidas séculos após sua criação, ou estando a dinastia concedente em exílio dinástico, não são, absolutamente, questões exclusivamente entre particulares. Embora localizadas no seio de uma família e atinente apenas a ela, o cerne da questão encontra sua base em documento oficial, expedido, à época, por um Estado soberano.
Mesmo emitidos por chefes dinásticos em exílio, esses documentos nunca serão manifestações de vontade de um particular, e sim, de um chefe ou ex-chefe de Estado, que nessa circunstância conserva a plenitude do ius honorum a fonte e origem da nobilitação, plenamente reconhecido por seus pares ou mesmo por governos subsequentes[3].
Não têm os contornos de um testamento, onde a vontade do testador é corporificada em um documento beneficiando outro particular. Nesse caso, as regras do Direito Civil são claramente aplicáveis, e a justiça estadual poderá adequá-las ao seu cotidiano legal, esgotando-se com o cumprimento de sua vontade sobre a herança ou legado. Seus beneficiários, após a partilha, não mais terão nenhum vínculo com a herança, podendo acrescer seu patrimônio, dilapidá-lo ou mantê-lo, sem mais nenhuma influência da vontade do de cujus, a qual se limita à disposição do monte-mor e sua divisão, esgotando-se ao cumprir essa finalidade.
Quanto ao concedente de uma carta nobiliária, estando ou não no poder, sua vontade estará indelevelmente inserida no documento, cujas cláusulas (que são a expressão da vontade do concedente) serão perpetuadas ad infinitum, renovando-se em cada sucessão, que deverá ocorrer exatamente como foi programado pelo instituidor da mercê.
Trata-se, portanto, de uma relação jurídica sui generis, pois um dos lados estará sempre presente, por si ou pelo sucessor dinástico. Não se trata, dessa forma, de mera relação entre particulares, embora o objeto de eventual lide ocorra entre pessoas físicas.
Por essas razões, e considerando a necessidade de uniformização de procedimentos em face da imutabilidade das cláusulas essenciais, entendemos, s.m.j, que a competência deveria ser atribuída à Justiça Federal, que estenderia a futura jurisprudência a todo o território nacional. Em prosperando esse entendimento, uma Emenda Constitucional poderia acrescer a competência dos juízes federais, alterando o inciso XI do art. 109 da Constituição Federal, que passaria, hipoteticamente, a ter uma redação aproximadamente assim:
Constituição Federal do Brasil
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
XI – a disputa sobre direitos indígenas e questões de nobiliarquia hereditária; nestes casos, desde que um dos litigantes seja brasileiro ou estrangeiro aqui residente[4] (grifo exemplificativo).
A processualística não oferece maiores dificuldades; basta a adaptação quanto às peculiaridades da lide e seu desfecho.
Com relação à doutrina, esta poderia nortear-se, mutatis mutandis, pelas lições de juristas espanhóis, portugueses e italianos, face a proximidade das tradições e laços culturais entre esses povos, e pelos antecedentes jurisprudenciais das Cortes judiciárias desses países, até formar-se uma doutrina e jurisprudência nativas.
NOTA: Este livro pode ser adquirido na Livraria do Divulga Escritor:
[1] Méroe, Mário de Tradições Nobiliárias Internacionais e sua integração do Direito Civil Brasileiro, ed. Centauro, 2005, cap. IV – Estudos sobre Direito Nobiliário. Pág. 102-107.
[2] Título nobiliárquico do eminente jurista Don Manuel Taboada Roca, de Espanha.
[3] Exemplo: a Espanha atual reconhece os títulos concedidos pela dinastia carlista, ex-reinante daquele país.