D O R
A dor anula sentimentos viageiros, apaga lucidez e temperança; Ela é precedida pelo trauma que desvirtua a cor da carne, da pele, e perverte a vontade. Invade searas sagradas de deidades intrínsecas, suja o templo da pureza de raciocínio, dilacera vontades e coragens.
Como areia movediça engole tudo, com voracidade inexplicável, transcende o espírito, afoga o desejo, aniquila o caráter. Na subida ou na descida a gangorra do sofrimento derrama lágrimas de desespero, como se a última gota não servisse para saciar a angustia e a rudeza do transtorno.
A dor é o cravo da cruz, o amparo dos pés tingidos de vermelho; é o brado de fé para o último talho da guilhotina; a certeza do corpo demolido, o sucumbir do orgulho do guerreiro.
A tipóia é a carruagem do “bardo” que oscila nas curvas dos versos que deambulam sobre pedregulhos de escárnio, conduzindo-o para o calabouço do silêncio imposto pela tortura totalitária.
O lago à frente borbulha fervura brilhante e visceral, liberando lâminas afiadas que dilaceram como vidro raivoso. A única certeza é o momento presente, cruel e silente, algoz de um lapso intempestivo.
Passados os dias, ela nos abandona como se nunca tivesse nos visitado, e, diga-se, à nossa revelia; vai-se com o mesmo valor de instantaneidade com que abriu a porta de nossas emoções pueris, intocáveis, santificadas. Chega como um aríete pontudo, desvirginando nossa candura, atropelando o tapete mágico de nossos doces sonhos cândidos e etéreos. Parte para os confins do horizonte e nem mesmo nos deixa de triste lembrança, uma foto do esgar da fisionomia alterada pelo fantasma dos tempos austeros.
A dor é como uma criança sapeca que aperta o nó da gravata até quase sufocar o incauto transeunte de megalópoles. Como habitante de um mundo para nós invisível, a dor quando parte não deixa rastro para não ser identificada pelos profissionais da saúde, que descobrem, até mesmo, micro partículas abissais.
A dor é uma sombra em plena noite, dentro da caverna do holocausto; inexorável como a natureza, incolor, solitária, sem compleição física, amorfa, inatingível e odiada por todos os seus hospedeiros. Quem a criou foi o mesmo Criador de nosso corpo perfeito, e ela serve de alerta para os perigos que não enxergamos.
A dor deambula pelos vales de lagrimas, como um asceta que entoa bruxuleantes cantatas nas auras das pessoas que vagueiam pelas ondas dos ventos tenebrosos. Ela existe como intangível vagar de sombras em desertos inóspitos.
No corredor da angustia pulsante, com luz ou no escuro, o sôfrego ambulante pode perceber que o seu sepulcro sorri para ele, como um acólito da maldade, debochando de um osso enfermo, de uma torção incúria, de um momento descuidado.
A dor não absolve pecados passados, presentes ou futuros.
Ela não grita, faz gritar, faz gemer na senda do infortúnio.
ALAOMPE
Anchieta Antunes – Copyright
Gravatá – 29/11/2014