E se amanhã fosse o seu último dia?
Uiara Melo
Natália acreditava que viveria para sempre, mas desde a semana passada passou a sentir incômodos contínuos em seu ventre. Para ela, as dores seriam normais, já que sempre as sentia como anúncio antecipado da pior semana do mês. Mas dessa vez era diferente. Resolveu, então, procurar a sua ginecologista para saber do que se tratava, apesar de uma pequena e sutil certeza que já se acomodava em seus pensamentos, e a alertava de algo mais sério. Em um desses devaneios enquanto seguia até o consultório, leu uma frase escrita em um muro de uma casa qualquer: “E se amanhã fosse o seu último dia? ”.
Natália repetia a frase como um mantra – aquilo lhe fazia sentido – até chegar ao consultório ginecológico. Ao entrar, identificou-se e sentou-se para aguardar. Quase uma hora depois ela foi chamada à sala com paredes cor de mel, onde tinha uma mesa de vidro e, atrás dela, uma moça próxima da meia idade. Do outro lado, uma maca ginecológica, com aquele par de porta-coxas horrorosos.
Ela sentou-se na cadeira e começou a responder as perguntas que lhe foram direcionadas. Depois de muito falar, se queixou dos tais incômodos e então, a médica solicitou para trocasse a roupa por um avental aguardando em um minúsculo banheiro dentro daquele cômodo. Assim que saiu do banheiro, se dirigiu até a maca e deitou-se nela. A maca estava fria, o que a fez se perder no tempo. Porém, despertava sempre que sentia os pequenos incômodos, enquanto a médica a examinava.
Passados alguns minutos a ginecologista fez uma pausa e buscou em sua mente palavras para reformular a seguinte frase: Natália, e se amanhã fosse o seu último dia?
Natália ficou perplexa com a coincidência vivida e constatada naquele exato momento e tentou formular rapidamente uma resposta lógica, coerente e sensata, mas não conseguiu. A ginecologista, sem a sua resposta, pediu para que ela trocasse novamente de roupa e que voltasse para finalizar a consulta.
Natália saiu daquela posição tão frágil, exposta, e foi trocar-se. Logo depois, sentou-se à mesa juntamente com a médica e ficou aguardando os próximos passos. Foi entregue-lhe um monte de pedidos de exames, o que a deixou preocupada - se amanhã fosse o seu último dia, ela não precisaria fazer nada daquilo.
Saiu do consultório com a bolsa mais pesada, assim como os seus pensamentos, e foi para casa. À noite, deitou-se em sua cama e repousou a sua consciência em seu travesseiro: E se amanhã fosse o seu último dia? Então, seria besteira perder tempo dando importância a essa dor.
Quinze dias depois ela retornou ao consultório com os exames em mãos, e entregou à ginecologista que, em silencio, examinou minuciosamente cada detalhe. Sua expressão era preocupada. Porém, antes que ela pudesse esboçar qualquer palavra, Natália se antecipou e disse:
- Se amanhã fosse o meu último dia, eu simplesmente morreria na profundeza do meu ser que se desfaleceria no encanto do amanhecer.
Natália soube que estava com câncer no colo do útero e que o “amanhã” não seria de fato o seu último dia, mas sim, o início dele ou talvez não.