E SE...
As informações estão cada vez mais acessíveis. Hoje se pode saber sobre tudo ou quase tudo. É só pesquisar. Rápido, fácil. Bastam apenas alguns cliques. E mesmo quando não se procura, a notícia chega. Sempre tem alguém para comentar. No entanto, nem sempre nos preocupamos ou pensamos sobre determinados assuntos. Apenas quando como fantasmas eles vêm para nos assombrar e perturbar o juízo. Comigo não foi diferente. E como apenas um momento pode virar a sua cabeça do avesso.
Eu sempre fui militante, sempre fui a favor e grande incentivadora do preservativo. E não era medo de engravidar. Era mesmo medo de doença. Que não são poucas e o medo de sua presença assusta mais que atraso de menstruação. Bem mais. Mas quem nunca errou ou cometeu um deslize que atire a primeira pedra. Cometi fácil, rápido e sem pensar. O depois é que foi o problema. E que problema. O medo assombrou até o seu último minuto.
Convivi meses com a dúvida. E se eu contraí alguma doença? Por meses convivi com a dúvida e o medo de investigar. Descobrir enquanto é cedo é o melhor, certo? O tratamento é mais eficaz. Certo? Mas o medo me paralisava. No entanto, a dúvida não me deixava em paz. Pesquisas e mais pesquisas. Cada gripe, o medo, a dúvida. E se...
Cansei de viver nas suposições. Criei meia coragem e pedi a minha médica uma solicitação de todos os exames que se pode fazer. Um passo já seria dado. Mais um mês se passou com aquela requisição na mão. A incerteza, o medo. Tudo vinha. Até que um dia criei coragem. Sem pensar fui até o laboratório. Coração apertado, assistindo o meu sangue preenchendo os tubos.
Agora já tinha feito. Restava apenas esperar o dia para pegar o resultado. Uma semana intranquila. Não parava de pensar. A barriga gelava, o coração apertava. Agora era só esperar. A dúvida iria se esvair dentre alguns dias. Para minha felicidade ou tristeza. A dúvida iria embora. A questão seria, será que ficaria aliviada ou perdida de vez?
Por mais que se leia que um soropositivo tem uma vida quase normal. Fazendo o tratamento no início a qualidade e expectativa de vida é boa. Ninguém quer passar por isso. Ninguém quer ter essa doença nas costas. E por que não pensar nisso antes? E por que não frear antes? Somos racionais. Mas ainda nos deixamos levar pelo instinto, pelos breves momentos de prazer. Agora era a consequência. Seja ela qual for.
O resultado de todos os exames se poderiam pegar pela internet, exceto o principal, o mais temido. Fiquei pensando como seria na hora? Alguém iria conversar comigo e me dizer que tudo ficaria bem, caso o resultado não fosse o esperado? O que seria melhor, pegar o exame ou esperar um psicólogo abri-lo pra mim?
Dias antes de o resultado principal sair, peguei os demais pela internet. Todos não reagentes. Tive uma meia felicidade. Meia de metade mesmo. Estava metade feliz. Ou menos que isso. Ainda faltava o principal. Na noite anterior foi só o que sonhei. Dois sonhos na mesma noite sobre o mesmo assunto. Era muita assombração para uma pessoa só. Meu Deus. Como eu chamei o Teu nome nesse dia. E se... E se... Não saía da minha cabeça. O que eu iria fazer? Como seria a minha vida? O que eu faria de diferente? Só sabia que não queria mais passar por isso.
Nem sei como consegui trabalhar nesse dia. As horas demoraram a passar. Estava tão nervosa que mal me aguentava. Angústia sem fim. Frio na barriga. Acho que já não eram borboletas, eram pássaros, gaivotas, morcegos, todos juntos no meu estômago. Sei lá. Estava a ponto de um ataque de nervos. Daqueles bem agudos.
A hora custou a passar. Cada minuto demorava uma eternidade. Até que chegou o momento. A hora da verdade. A sensação que a minha vida tinha parado até aquele momento. Não conseguia fazer nada. Peguei o carro e fui até o laboratório. Não sei como consegui dirigir até lá. Para estacionar foi um sacrifício. Minhas pernas tremiam. O carro estancava a todo o momento. Era muito nervosismo. A sensação era que o meu peito iria explodir a qualquer momento.
Entrei, o laboratório estava vazio. Fui até a recepção, entreguei o papel à atendente. Ela digitou algo no computador e imprimiu o meu exame. Dobrou-o, guardou-o num saco plástico e grampeou. Como se eu não fosse abri-lo assim que saísse dali. E me entregou friamente o papel com o resultado que poderia mudar a minha vida completamente.
Eu sei que preferia dessa forma. Mas não tinha ninguém ali para me amparar caso precisasse? Era assim mesmo friamente? Não perdi mais tempo. Saí dali e no banco do carro, rasguei aquele plástico e abri aquele exame imediatamente. Já tinha visto todos os outros resultados. Só faltava o principal. E meu olho foi logo nele. Estava tão nervosa que o meu olho bateu no nome do exame e na taxa do reagente, pulando o resultado. E por alguns míseros segundos pensei que estava infectada. Ainda me lembro da sensação. Dói só de pensar. Pensei comigo “reagente”, para em seguida olhar com mais calma e ler o resultado “não reagente”. Nesse momento desabei entre a felicidade de não ter sido infectada e pela carga de adrenalina que recebi.
Naqueles míseros segundos a minha vida passou completamente na minha cabeça. As coisas que tinha feito até chegar ali. E se eu tivesse sido mesmo infectada? O que seria de mim? Até aceitar a situação o que aconteceria comigo? O que diria a minha família? Quais amigos poderia dividir essa situação? Como seria a minha vida se o meu maior medo tivesse se concretizado? Nem gosto de pensar. E o pior que o risco foi desnecessário. O sexo nem foi tão bom assim. Nem consegui atingir o orgasmo. E mesmo que tivesse sido a melhor transa da minha vida, a dúvida que me permeia é “teria valido a pena”? A resposta é uma só. NÃO. A minha saúde, o meu bem-estar constante é mais importante que alguns minutos de êxtase e prazer. E espero, sinceramente, que dessa vez tenha aprendido a lição.