E N C A N T A M E N T O
Quando piso na lousa fria e resvaladiça ( “viver”) sinto a coluna tombando para o lado obscuro da vida que se vive sob o tom do incompreensível horizonte abstrato. A razão é o lado duro da existência, aquele que risca o cristal, que rasga a carne na rocha, que bebe a areia do deserto para limpar as entranhas do inconsciente. Quem me dera saber a verdade do existir, a fábula da veridicidade escondida no antanho dos dias, quem me dera conhecer o lado interno da consciência obscura dos pingos de fel. Quem me dera viver sob olhos alertas nas madrugadas espicaçadas de sofrimento. Quem me dera...
O encantamento precisa chegar devagar, sem fazer ruído, anunciando-se com o leve torpor de um vendaval que desistiu de sê-lo. O encantamento carrega os prêmios a serem distribuídos pelos vãos das portas que se abrem para o véu da esperança. A água que jorra dos sonhos infantis, e desce a encosta à procura da paz universal. Não a paz que tem navegado no vértice da bomba assassina, paz que converte pão em poeira, que mata a esperança no nascedouro do além. Paz que se conhece no dicionário das mentes mandantes de hoje.
Por que andar em busca do encantamento se não se conhece a fórmula do encanto, nem o sabor do momento nobre.
Encantamento é bruxaria que baila na imaginação dos absortos incansáveis, nas noites escuras, apenas com língua de fogueiras que jogam para o alto labaredas para lamber as vísceras do amante desprevenido, quando deita sua amada na maciez do crepúsculo, desejando sugar sua seiva purificadora dos pecados do mundo. A inocência é o antídoto do espectro do pecador voraz, audaz, entumescido pelo demônio da depravação contida entre quatro paredes negras de arrependimentos. Encantamento é a leveza da ave que voeja sobre o córtex da cidade prenhe de desejos lúdicos.
Encantamento é aquela estrada de asfalto uniforme que nos leva aos pés da montanha enfeitiçada, onde as crianças deitam seus sorrisos puros, quando estão brincando de ser alegre, com inocência, e candidez. Encantamento é o grito que não sufocou na garganta, que absolveu todos os pecados do mundo, dos homens e dos bichos, que expandiu o espírito benévolo, devolvendo para os corações a exultação da boa ação. Encantamento não é a vestimenta da crueldade, da vingança, da inveja e da vaidade. Vamos nos adornar de contentamento, vamos subir nos sapatos da esperança e da alma leve, sem arrogância, sem pecados,
nem mortal, nem originai.
Encantamento é o direito restrito dos inocentes.
ALAOMPE
Anchieta Antunes – Copyright
Gravatá – 05/08/2014.