Estranhamento - por Mirian Menezes de Oliveira

Estranhamento - por Mirian Menezes de Oliveira

ESTRANHAMENTO

Por Mirian Menezes de Oliveira

 

Não há manhã cinzenta, nem tempo ruim, para os que compartilham o mundo com amigos de quatro patas! Por isso mesmo, ainda de madrugada, o rapaz despertou e levou o cachorro para passear, aproveitando o quase silêncio do amanhecer.

Isso já era rotina: o cão, a rua, os primeiros movimentos...

Depois, era só tomar um banho, saborear o café, pendurar o crachá no pescoço e dirigir-se à empresa, para mais um dia... Graças a Deus!

Acreditem, ou não, a rotina possui o poder de acalentar a alma! Há uma beleza reconfortante em cada detalhe do que se é vivido cotidianamente.

No caso do jovem, as manhãs traziam pássaros, celebrando a hora mágica; surpresas de cores e tons; esperança de dias melhores; vozes e paisagens nem sempre definidas... sombras... vultos...orvalho...

A cadência das horas se mantinha harmônica e, ao final do dia, havia, metaforicamente, uma toada pronta, com as notas recolhidas durante o percurso: consonâncias e dissonâncias, que acabavam se misturando num todo.

Naquela manhã cinzenta, o jovem acordou pra viver sua rotina... Só não sabia que poderia ver algo que sempre enxergava: o “morador da calçada”. Sim! O “morador” da calçada também se encontrava no contexto.

Fato é que o “inesperado” acrescentou notas e tons à melodia de sua vida simples de trabalhador. Aquele dia, em especial, estava muito diferente e lhe causava estranhamento.

Sabia que o homem pedia esmolas no semáforo, valendo-se dos mais diferentes, coerentes e infrutíferos argumentos. Às vezes, cansava-se de pedir e corria até o bar, para comprar uma cachaça. Aliás, nunca viu alguém tão sincero! Se estava com fome, pedia para comer... se estava em crise de abstinência, pedia para beber:

- Moça, me dá um dinheiro pra eu tomar uma?

_ Que absurdo!

_ Eu podia mentir pra senhora!

_Estou com pressa agora!

Na verdade, alguns transeuntes se assustavam, outros não olhavam e havia até quem parasse para conversar...

No caso do jovem da história, sempre que possível, recomendava a alguém que entregasse um prato de comida ao senhor da calçada. Seu tempo era muito curto, mas sempre deixava tudo acertado.

Se as coisas transcorriam da mesma maneira, por que o estranhamento naquele dia?

Havia momentos em que o jovem não gostava de pensar, tamanho era o incômodo daquela tarefa, mas como não refletir, diante da cena contemplada?

Naquela manhã cinzenta, enquanto passeava com o cachorro, o jovem cruzou o olhar com o do “morador” da calçada.

Lá estava ele, com o semblante murcho, encarando o “boneco biruta inflável” do posto de gasolina, cujos braços balançavam e se abriam com a força do vento... Por um momento, percebeu certo carinho por parte do senhor, que já se encontrava bem próximo do boneco.

Cena grotesca?

Engraçada?

Insignificante?

NENHUMA DAS ALTERNATIVAS ANTERIORES.

Pela primeira vez, o jovem viu, com clareza, o que estava “invisível” e o fato de ter parado para refletir alterou, drasticamente, sua rotina fresca, organizada e planejada... rotina de quem sonha e tenta concretizar sonhos... rotina de jovem trabalhador...

Tomado por grande inquietação, esqueceu-se, por alguns minutos do cãozinho que trazia no colo e fixou os olhos no ser da mesma espécie.

Era muito estranho tudo aquilo! O “morador” da calçada aproximou-se do boneco, com intenção de, realmente, abraçá-lo e aquela situação inusitada desconcertou o rapaz, que, naquele instante, compreendeu, minimamente, o sentido de “marginalidade”.

ESTRANHAMENTO!

ANGÚSTIA!

ALTERIDADE!

Às vezes, seria melhor parar de pensar!

 

 

 

 

Conheça outros parceiros da rede de divulgação "Divulga Escritor"!

 

           

 

 

Serviços Divulga Escritor:

Divulgar Livros:

 

Editoras parceiras Divulga Escritor