FACETAS DA INÉRCIA
Por Mirian Menezes de Oliveira
Sem muitas variações de movimento, o jovem estava acostumado a engatar as marchas do carro e seguir em velocidade estável. Todos os dias, levantava-se cedo, tomava um rápido café, distribuía beijos e “selinhos”, deslocando-se ao local de trabalho. Tudo, milimetricamente, planejado!
Não se lembrava da última vez que havia utilizado o acostamento da estrada, para beber um gole de água, ou enxugar o suor do rosto.
Como seria isso possível? Qualquer movimento diferente poderia alterar a rotina estabelecida.
Todos os motoristas pareciam circular, mecânica e harmonicamente, encaixados... Se alguém diminuísse a velocidade, comprometeria a segurança de todos os outros.
Ao volante, o rapaz parecia escutar frases como: “Vai! Não para, não!”; “Acelera, ‘seu’ lerdo!”; “Avante, avante! É pra frente que se anda!”...
A estrada era aquela rígida manifestação da inércia do “movimento”, razão pela qual, jamais ousou destoar e enfrentar o risco de “dar uma paradinha”... O negócio era seguir o fluxo, ainda que estivesse cansado, ou com sede... Aquele ritmo já não o abalava tanto... Precisava produzir e prover a família! Precisava da aceleração e dos movimentos para frente... Atento, disponível e forte!
Por muitos anos, sua vida transcorreu nesse esquema, até que, um dia, num “apagão repentino”, percebeu, no almoço de domingo, que o filho de dois anos tentava acompanhar seus passos: andava, caía, engatinhava, olhava para o pai e sorria... Para que correr tanto?
Bela ótica infantil!
Num canto da sala, o pai firmava o andador e “pensava” cada passo: calculava, experimentava... Havia similaridade entre aquele senhor de tantos anos e a criança, no início de seu enredo de vida!
Entre o pai e o filho, o jovem se colocou, olhando para a esposa, não tão diferente dele (Alma gêmea?! Quem sabe?!). Enfim, percebia a harmonia dos movimentos da mulher, que se alternava entre os afazeres domésticos e as questões da empresa... entre o apito da panela de pressão e as notificações das mensagens no celular.
Sentiu a cabeça girar; sentou-se próximo ao filho; observou-o, em seu peculiar ritmo e, enfim, tomou-o pela mão. Experimentou “quebrar” a inércia do movimento:
“Por que tenho que acelerar... correr... ir em frente... sem parar... sempre atento... sem falhar?!”
Caminhou, então, no ritmo da criança e aproximou-se do pai, olhando- o atentamente:
“Um dia, ele me tomou pelas mãos e desacelerou seus passos, para que juntos pudéssemos caminhar! Já fui criança um dia e serei ancião, se a vida me der a oportunidade!”
A lágrima quase rolou, mas conteve-se, porque, um dia, também internalizou que deveria ser sempre imune a esses sentimentalismos exagerados...
Quase paralisou, para acompanhar os passos de ambos: pai e filho... E ele no meio!
Estaria o jovem inerte?
Parou, por quê?
Na verdade, pela primeira vez, o protagonista desta crônica, percebeu a inércia do movimento e, atendendo às leis da Física, foi sua “própria força”!
“Deixe-me desacelerar! Sou dono de minha vida!”