A escrita é uma caminhada dolorosamente excitante cujo longo período de aceitação é muitas vezes confundido com algum tipo de demência que faz ver vidas onde elas não existem, num trabalhar contínuo da imaginação que frequentemente desprende o escritor da realidade que o rodeia e exige a sua participação. Dolorosos também os isolamentos a que tem de se submeter para que as ideias possam vaguear à vontade ou mesmo confrontarem-se umas com as outras em duelos sugadores de energia.
Quem escreve romances é um apaixonado pela vida e suas relações. Mas é um AMOR tal que não se satisfaz unicamente com vida real. Esse amor é voraz de sentimentos. Um escritor não consegue satisfazer a sua paixão com os fatos do que acontece aqui e agora. Quer sempre mais. É um ser real, aprisionado num corpo físico cuja imaginação funciona como um mecanismo autónomo e persistente alimentado de toda a informação que os sentidos recolhem da realidade.
Perante a frustração constante de que a vida vivida não lhe satisfaz na plenitude, que o espaço o aprisiona de forma asfixiante e quase mortal a solução é encontrar uma linha que mantenha o equilíbrio entre a realidade e as vidas que a imaginação gera numa teimosia tal que podem conduzir ao alheamento total, felizmente temporário, da realidade. Essa linha é a escrita.
Quando este ser que se encontra em conflito constante com a sua imaginação se apercebe da riqueza desta, torna-se um escritor, um construtor de vida. Aceita ser um deus.
A aceitação desta dupla realidade trás consigo a paz, a felicidade e a sabedoria de brincar com os próprios sentimentos e com o dos outros. Porque um escritor de romances é também um observador de vidas. Quando isso finalmente acontece é como se o escritor tivesse descoberto o botão que faz girar o mundo real e o da ficção.
Muitas são as fontes de inspiração. Podem ser imagens que apaixonam. Locais onde nascem personagens. A letra de uma canção que o faz imaginar um momento em particular para que ela possa ser verdadeiramente disfrutada. Pode ser um aroma, uma cor, um sabor, um cheiro e um toque que provocam no escritor, nas personagens e nos leitores as mesmíssimas emoções.
No fim do processo o escritor é um deus criador para quem muitas vezes a vida gerada na sua imaginação se torna real a partir do momento em que passa a estar escrita.
Um escritor ama e odeia as suas personagens. Com elas se apaixona, sofre, emociona entrega, chora, grita e combina que sentimentos provocar ao leitor, numa conspiração quase verdadeira. As personagens tornam-se tão reais que o escritor passa a vê-las nos locais onde as colocou.
Publicado em 03/04/2014