Por Shirley M. Cavalcante (SMC)
Nascido em Natal-RN, Francisco Antonio Cavalcanti sempre demonstrou paixão pela literatura, expressando sua sensibilidade nos poemas e textos que costuma escrever, apesar de uma formação acadêmica de caráter eminentemente técnico. É engenheiro, especialista em desenvolvimento, mestre em administração e doutor em engenharia de produção. Profissionalmente, direcionou sua preocupação a duas áreas: planejamento estratégico e gestão de tecnologia. Docente da Universidade Federal da Paraíba, orientou trabalhos acadêmicos e participou de vários projetos de pesquisa com a Universidade de Grenoble. Publicou Tecnologia e Dependência: O Caso do Brasil, pela Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro; Planejamento Estratégico Participativo: Concepção, Implementação e Controle de Estratégias, e Êxito Profissional: Conhecimentos e Atitudes, ambos pela Editora Senac São Paulo. Há pouco tempo, Brindou o público leitor com sua primeira ficção, O Violoncelo: Uma Trajetória de Acasos e Mistério, pela Editora Livre Expressão, Rio de Janeiro.
Agora, traz a público seu segundo romance, Diário de Bordo: O Legado de Jacques Drouvot, pela Chiado Editora, Lisboa.
“Entendo que os textos mais intimistas, que por vezes surgem sob alguma carga emocional ou que revelam o sentimento de personagens, são dificilmente formuláveis fora do isolamento criativo”.
Escritor Francisco Antonio Cavalcanti, para nós é um prazer contar com a sua participação. Fale-nos um pouco sobre sua transição da escrita de livros técnicos para a ficção.
Francisco Antonio - Grato pela oportunidade. Bom! Sempre fui um consumidor de livros, tendo desde cedo me encantado com os clássicos da literatura universal. Estou convencido de que essa arte veiculadora das histórias em todos os espaços e tempos é um dos denominadores comuns da experiência humana. Graças a ela é que conseguimos dialogar, independentemente dos nossos desígnios, ocupações ou circunstâncias. Certamente, na condição de leitor é que podemos viver outras experiências e somos capazes de estabelecer um vínculo fraterno com aqueles que produziram literatura em outras latitudes ou em épocas passadas. Já na condição de autor, nos é possível contribuir ao estabelecimento desses vínculos com aqueles que porventura vierem a ler o que produzimos.
Quando me cessaram as obrigações profissionais pela aposentadoria, apesar de continuar com atividades em consultorias, cursos e palestras, senti uma enorme compulsão em dar expansão a uma vontade por muito tempo represada. Os limites, condicionamentos e rigor da produção de caráter técnico-científico, à qual me dedicara até então, sugeriam-me permanentemente a busca de uma alternativa de gênero mais livre à criatividade. Parece que na vida, há um momento certo para tudo, não? Apesar da realização com os trabalhos aos quais me dediquei, a sensação que me vem é a de que estou diante de um grande, mas prazeroso desafio.
Sei que estará lançando um novo livro, “Diário de Bordo – O Legado de Jacques Drouvot” . Pode nos falar um pouco sobre este romance?
Francisco Antonio - Bom! Devo dizer que a inspiração para essa narrativa decorreu da constatação histórica de que os franceses, durante os séculos XVI, XVII e, principalmente em finais do XVIII, se notabilizaram por suas atividades corsárias. Foram grandes contrabandistas e saqueadores das riquezas do novo mundo, seja pela extração desautorizada de madeiras nobres, seja pelos ataques a naus de países não alinhados com a política do governo francês. Portugal e o Brasil foram vítimas dessas práticas. Poderia resumir este romance da seguinte maneira, apesar da sequência narrativa não ser a deste esclarecimento: Em finais do século XVIII, as Cartas de Corso autorizando a pilhagem de naus portuguesas eram prodigamente expedidas pelo governo francês. Um desses corsários, ao abordar uma nau oriunda do Rio de Janeiro, depara-se com um enorme contrabando de ouro e gemas de alto valor. Apossando-se da preciosa carga, resolve, por motivos particulares, não levá-la a seu país, encontrando uma maneira de escondê-la com vistas a posterior resgate. O diário de bordo é utilizado como meio de cifragem para orientação a seus descendentes, em caso de não conseguir fazer o que pretendia. Muitas gerações iriam enfrentar o desafio imposto por essa decifração. Impressionado com o documento histórico que lhe chega às mãos e, com o possível tesouro que lhe estaria reservado, um dos pretensos herdeiros, nascido no Brasil, resolve dar solução ao enigma. A história é narrada a partir de fatos recentes que deflagram todo o processo de descortino do passado. Pesquisas, decifrações, contingências, aventuras, paixões, traições e crimes acontecem durante o desenrolar da trama, que culmina com um final surpreendente e que, espero, possa emocionar o leitor.
Bom! Sem grandes expectativas, decidi enviar os originais à Chiado Editora em Lisboa. Ela foi sensível ao tema e à maneira como este havia sido tratado no romance, vindo a topar a sua publicação.
O lançamento do livro "Diário de Bordo - O Legado de Jacques Drouvot", será realizado no dia 03 de dezembro em Natal-RN.
O evento será realizado na Pinacoteca do Estado, Praça 7 de setembro, s/n, Centro, a partir das 19h.
O acadêmico norte-rio-grandense Vicente Serejo, em um trecho do prefácio deste seu novo romance, a cujos originais tive acesso, afirma: “Francisco Antonio é um romancista apurado na técnica. Sabe construir e soprar vida em cada personagem. Criá-las e, principalmente, fundá-las como seres humanamente reais e compreensíveis em seus conflitos, culpas, glórias e infortúnios. Mais do que isto: sabe retratá-las nas suas individualidades. E circunstanciá-las para que não desabem como meros artifícios, mas sejam naturais invenções da criatividade e nunca figuras inventadas, pois não fariam parte da realidade mágica e ao mesmo tempo genuína de uma humanidade romanesca”. Gostei imensamente do que ele diz. Pois bem, como você busca inspiração para construir seus personagens?
Francisco Antonio - Bem! Personagens são, naturalmente, um composto de temperamento, expectativas, inclinações, conflitos e aparência, subordinado a determinadas circunstâncias. Esses elementos condicionam e definem sua identidade e podem dar vida e personalidade àqueles que protagonizam a cena. Eu diria que é quase impossível pensar nos aspectos que os caracterizam sem que nos inspiremos em traços de pessoas que conhecemos ou com quem convivemos. Para mim, no tocante a personagens, a experiência mais interessante é aceitá-los após o término da obra como se efetivamente existam ou tenham existido.
Li seu primeiro romance “O Violoncelo – Uma Trajetória de Acasos e Mistério”, publicado pela Editora Livre Expressão. Fiquei encantada. Pode nos falar também um pouquinho sobre ele?
Francisco Antonio - Naturalmente! Antes de tudo, muito grato. A inspiração veio de uma informação sobre o achado de um violoncelo, possivelmente valioso, como peça de decoração em uma casa comercial. Sabemos que esses achados fazem parte do imaginário de muitos músicos dessa família de instrumentos que, interessantemente, não se modificaram desde o século XVII. O músico norte-americano que o encontrou conseguiu restaurá-lo, mas não foi capaz de identificar sua origem. Essa história me seduziu e resolvi desenvolver um “thriller” com jeito de romance que fosse às últimas consequências, isto é, que identificasse o autor e o itinerário do instrumento.
Você já recebeu emails de várias personalidades elogiando “O Violoncelo”. Como se sente ao receber essas mensagens? Sei que todas são importantes, mas pode citar uma das que mais marcou?
Francisco Antonio - Bom! Tenho que adotar um critério. Mas explico! Os profissionais da luteria são obrigados a uma boa formação musical, instrumental e de arquitetura e engenharia construtiva de instrumentos. Normalmente ainda são intelectuais de largo descortino e grande sensibilidade. Por essa razão, entre os muitos depoimentos, escolho o do violinista e luthier Saulo Dantas-Barreto, professor em São Paulo e um dos mais importantes luthiers brasileiros do momento.
‘Caro Prof. Cavalcanti,
Um amigo em comum, Rucker Bezerra, enviou-me um exemplar do seu livro "O Violoncelo". Acabei a leitura há pouco e me apresso em enviar-lhe esta mensagem ainda sob o efeito benéfico dessa "trajetória de acasos e mistério". Impressionou-me não só a agradável aula de História, a trama atraente e o raro prazer de encontrar a minha profissão como tema de um ótimo livro brasileiro, mas também a sensação de conhecer esses personagens que se movem em lugares onde vivi. Afinal, nas páginas de seu livro encontrei a OSPB, onde comecei como luthier; Cremona, onde estudei luteria por muitos anos; Moroni, sobrenome da mãe de Stradivari e também de minha esposa, que é de Cremona; uma imagem de Hildegard Dodel, minha colega de classe no Instituto Internacional de Luteria; Miglioli, professor daquele Instituto.
E tudo isso no momento em que estou atendendo a uma encomenda para um instrumentista da Sinfônica da Paraíba: nada menos do que um violoncelo. Será um simples acaso misterioso?
Enfim, parabéns pela bela obra e obrigado por ter escolhido esse tema.
Um forte abraço,
Saulo Dantas-Barreto.’
– Nada melhor para um autor, não?
Agora, diga-nos, onde podemos adquirir os seus livros?
Francisco Antonio - Nas principais redes de distribuição. Se não estiverem nos espaços físicos das livrarias, podem ser solicitados. Outra possibilidade são os sítios eletrônicos da Chiado Editora, Editora Livre Expressão e Editora Senac de São Paulo. O Violoncelo pode ser encontrado na Saraiva.
Em sua opinião, o que deve ser feito para o desenvolvimento do mercado literário no Brasil?
Francisco Antonio - Uma sociedade como a nossa, onde não existe o hábito da leitura, tende, naturalmente, a enfrentar limitações no tocante à produção e distribuição de livros. Um dado simples nos dá uma idéia: a Argentina tem cinco vezes menos habitantes que o Brasil e suas tiragens são cinco vezes maiores. Naturalmente, com a elevação da demanda por livros, as redes de distribuição poderão vir a ser mais atuantes e capilarizadas. Como conseqüência, os editores podem tornar-se mais audaciosos e, portanto, menos refratários aos novos autores. Aqui, vivemos uma espécie de “nó górdio”, isto é, o novo autor não publica por não ter nome e não tem nome porque não publica. Ele é quase sempre obrigado a uma cansativa peregrinação até que alguma porta lhe venha a ser aberta. Bom! Obviamente, as empresas editoriais, em um mercado restrito, tendem a arriscar o mínimo possível. Trata-se de um problema que só poderá ser resolvido a largo prazo, com investimentos em uma educação que se desenvolva no marco da orientação pedagógica para o hábito da reflexão e da leitura, elementos determinantes da elevação da demanda por livros e, por via de consequência, do padrão intelectual da sociedade e do seu desenvolvimento.
Antes de encerrarmos, gostaria que nos falasse um pouco de como é a vida de um escritor que perdeu a visão, como é o seu caso.
Francisco Antonio - Ah! Agradeço pela oportunidade de falar sobre isso. Meu primeiro livro, escrevi-o ainda com visão. Com a perda, por problemas de retina, fui obrigado a enfrentar as óbvias dificuldades de quem não enxerga e tem como principais atividades a docência e a pesquisa. Foi um período de difícil adaptação, mas contei com o inestimável apoio de minha mulher, dos meus filhos e, claro, de colegas e alunos, aos quais sou imensa e eternamente grato. Durante muito tempo redigi relatórios de pesquisas e artigos técnico-científicos, ditando-os para alguém. Meu segundo livro é resultado de textos redigidos para suporte didático, que posteriormente foram consolidados no marco de uma única temática. A partir daí, a tecnologia da informação me foi e continua sendo de enorme ajuda, seja pela disponibilização de livros gravados, digitalizados ou pelos sistemas ultra-desenvolvidos de leitura de tela. Esses sistemas nos possibilitam elevada desenvoltura no uso do computador. Meu terceiro livro, uma obra de auto-ajuda, já foi redigido de maneira completamente independente. Aqui, acho que cabe uma observação. Acredito que depois dessa experiência, não teria partido para a literatura ficcional se não fosse a ajuda da tecnologia. Entendo que os textos mais intimistas, que por vezes surgem sob alguma carga emocional ou que revelam o sentimento de personagens, são dificilmente formuláveis fora do isolamento criativo. Pelo menos para mim, é imprescindível estar só. Talvez essa tenha sido a razão do surgimento de “O Violoncelo” e, mais recentemente de “Diário de Bordo”.
Pois bem, estamos chegando ao fim da entrevista. Muito bom conhecer um pouco mais o Escritor Francisco Antonio Cavalcanti. Que mensagem você deixa para nossos leitores?
Francisco Antonio - Bom! A responsabilidade é grande, não? Eu diria que, apesar de a vida parecer um infindável processo de renúncia aos nossos ideais, vale a pena sonhar. Estou certo de que é exatamente no sonho onde se encontra a motivação fundamental para a busca dos meios à sua realização. Esses meios implicam, invariavelmente, em novos aprendizados que viabilizem o alcance dos nossos objetivos. Desistir de aprender é, seguramente, uma boa maneira de desistir da própria vida. Acredito que é imperioso compreender que quando abrimos mão de sonhar, para dizer o mínimo, a vida pode transformar-se em um cotidiano monótono, repetitivo e tedioso.
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