HORIZONTE ESMAECIDO
Nuvens desbotadas
cavas iluminadas
semáforos desligados
o topo da montanha
o oco do mundo...
Mais ou menos assim é a visão dos portadores de daltonismo; desordem cromática, azul no verde, amarelo no vermelho, rosa no cinza. Não existe cão de guarda para daltônico, nem um tipo de código Morse. Afinal não é cegueira, apenas um pequeno distúrbio visual.
_Como é que você faz para distinguir as cores dos sinais nos cruzamentos?
_Não faço... Sempre tem um carro à frente ou ao lado... Tarde da noite sem transito não há perigo de acidente; pode avançar o sinal... Os guardas estão dormindo.
Nós corremos riscos todos os dias, não um risco calculado, a não ser que tenha sido calculado pela natureza. Não nos foi entregue nenhum plano de sobrevivência. Seja o que Deus quiser! O velho adágio: um por todos e todos por um, transforma-se em um por todos e continua um por todos. Todos por um foi substituído por um simples singular: cada um que tome conta de sua pele. Coitados dos mosqueteiros!!!
É ruim viver assim? Pra mim, não tem nada de ruim. Sou igual a qualquer pessoa, com a diferença de ver um colorido diferente. E quando socializo sou motivo de mil perguntas, como se fosse uma grande piada ao vivo e sem cores. Acostumei e entro no jogo sem nenhum subterfúgio, e muito menos, algum constrangimento. Afinal de contas são só cores, não está em jogo o caráter, o comportamento, personalidade ou justiça. Apenas cores...
Navego em rios sibilinos, em rubras procelas, em lagos abissais a procura do mágico peixe dourado que sana a retina. Não o encontro, não o vejo ou pressinto sua presença. Ouvi dizer que se esconde no âmago da alma do gene e de lá só sai escanchado no rabo da gota. Insere-se na trompa de Falópio de onde reaparece para a vida secular, conspurcando o arco-íris.
Assim é a vida do daltônico, complicada, contudo, vida. Que seria do azul se não fosse o vermelho? Parece que um poeta disse isso!
Flores! Pra que distinguir suas cores? Basta sentir o aroma, a fragrância, o perfume, o veludo das pétalas, a maciez de sua existência.
Sou mosqueteiro de minha singularidade...
Anchieta Antunes
11/02/13