Hospital de Interior
Hospital mantido pelo Município.
Município este com esmaecida arrecadação em função direta da parca atividade comercial urbana.
O hospital funciona como Deus quer, diria o crente.
Os médicos que aí exercem sua profissão, estão sempre com pressa, pois que têm mais cinco empregos para dar conta, em cada jornada. Vida atribulada, não resta duvidas. Isto significa que só podem dispensar cinco minutos de sua atenção para cada paciente. Tempo insuficiente para o “infeliz” debulhar seus males.
_Maria, manda entrar o próximo.
Maria é enfermeira e atendente, ao mesmo tempo.
_O que você tem, meu velho? Pergunta o medico
_”Dotô” acho que tô com “nó nas tripa”, não melhoro nem com reza forte. Já fui lá na “benzedeira” mas não tem jeito.
_Maria, entrega ao nosso amigo aqui, um vidrinho de buscopan.
_Pra tomar tudo de uma vez, Doutor?
_Não Maria, para tomar uma dose por dia. Próximo...
_Doutor Flávio, a mulher que vai entrar agora, diz que tá com unha encravada e que dói muito.
_Entregue a ela cinco comprimidos de “dipirona “.
_Mas ela não está com febre...
_Dipirona também é analgésico, não discuta comigo, que não tenho tempo a perder.
E assim as horas vão escoando pelo ralo da medicina. O hospital só dispõe de buscopan e dipirona. O medico é competente, o hospital, desfalcado.
A enfermeira Maria não se graduou em faculdade ou escola técnica. Fez um cursinho por correspondência com duração de seis meses. Ganhou o curso, ganhou Maria.
Um dia, Dr. Flavio, curioso, perguntou: _Maria em qual Faculdade você se formou?
_Foi faculdade, não, Dr. Fiz um cursinho por correspondência.
_Enfermeira de cursinho por correspondência?
_Ah! Dr. hoje em dia eles oferecem “de um tudo”. Custa pouco...
_Como conseguiu trabalho neste hospital ?
_Meu cunhado Floriano é empregado da Prefeitura...
_E isto quer dizer ?...
_Ele conhece os homens lá de cima. Falou com um, com outro e hoje tenho meu emprego.
_Maria, você fez algum teste ou prova para ser admitida no hospital.
_Claro, dotô, mandaram eu forrar uma cama. Eu forrei e ficou bem bonitinha, até parecia cama de hospital.
_Maria, é hospital...!!!
_Eh! Pois é...
Floriano é gari e conhece o suplente do porteiro do Paço Municipal. Conversa com um, conversa com outro, o emprego saiu. Maria ganha pouco, mas é garantido. Todo fim de mês, o salário entra no seu bolso. Quer mais o que ?
Quando Dra. Adriana vai atender as gestantes, é um Deus nos acuda. Água corrente só em dia de sorte. Álcool, já faz um tempão que está em falta. Luvas cirúrgicas, nem pensar. Assim como o vaqueiro leva seu farnel abastecido para mais um dia no campo, Dra. Adriana tem sua maletinha com tudo o que ela vai precisar. A mesa de exames tem um suporte de perna quebrado; é que uma senhora muito gorda, extrapolou a capacidade do suporte. Funciona o da perna esquerda, o que significa que a perna direita fica pendurada para fora da mesa.
_Dá pra ver alguma coisa, dotora ?
_Dá, dá,dá sim. Tenho a vista boa, não se preocupe.
_É menino ou menina ?
_Aí já não dá pra saber...
_Dotora, num tem um aparelhinho que passa na barriga da gente e vê tudinho lá dentro ?
_O aparelho existe, menos neste hospital. Tá tudo bem, não se preocupe.
Medico de interior tem que ser medico e psicólogo. Não deve e não pode assustar a população carente. Carente de medicina, de hospital, de comida na mesa, de atenção e carinho. Só contam com a amizade de outro carente. Dinheiro para comprar remédio, nem pensar. Quando vão ao Posto de Saúde, o que é que escutam?
_Esse remédio só chega no mês que vem. Próximo...
Assim é a vida em cidade pequena do interior; muito sofrimento e humilhação. O descaso absoluto das AUTORIDADES CONSTITUÍDAS.
O hospital continua recebendo pacientes, os médicos receitando buscopan e dipirona; é só do que dispõem. Um pouco de boa vontade e uma terrível pressa para chegar ao outro emprego.
Pelo menos têm uma cama bem bonitinha...
Anchieta Antunes
07/02/11
Publicado em 23/05/2014