Por João Paulo Bernardino – Escritor
Joana Rita Versteeg Guedes Salgado, mora em Santarém, Portugal. Sempre escreveu, o que chamava a “escrita caseira”, escrevia porque gostava de o fazer. Nunca teve a intenção de publicar nada, estava muito longe dessa ideia.
Quando viveu no Brasil, no secundário ganhou vários concursos de poesia e contos para autores menores de 18 anos. Quando entrou para a faculdade, deixou de concorrer. Licenciada em psicologia clinica, com pós-graduação em hsst e mediação familiar.
Boa Leitura!
JPB – Obrigado Joana Salgado por me concederes o privilégio de te entrevistar para a DIVULGA ESCRITOR. Fala-nos um pouco sobre o teu livro “AS DESVENTURAS DO MALAQUIAS” e do papel das suas personagens principais (que são animais). Foi pensado apenas para as crianças e poderes divulgá-lo sobretudo nas escolas ou os adultos também se revêm nele?
Joana Salgado - Sou uma apaixonada por gatos, desde miúda que convivo com gatos. Sempre gostei muito de crianças, fui baby-sitter na minha adolescência. Escrevi estes contos, tendo em mente um dos meus gatos e as aventuras dele com os meus filhos. Um pouco da família do Malaquias é reflexo da minha família. Como os adultos por excelência são contadores de histórias, escrevi para filhos e para pais, para que ambos se pudessem rever neste mundo imaginário. Foi uma forma dos adultos recuarem até à sua infância recordando histórias passadas que depois contassem aos filhos. Posteriormente, surgiu o convite das educadoras dos meus filhos para apresentar o Livro. Achei que seria uma experiência muito interessante contar um dos contos nas turmas deles. Depois disso, continuei a contar as minhas histórias no jardim-de-infância e no primeiro ciclo. Tudo começou em Santarém, agora já conto as histórias do meu livro noutros distritos e estou aberta a conta-las no país inteiro, se assim o quiserem. É uma experiência extraordinária. A receptividade é muito grande e recebo desenhos lindos que as crianças fazem depois do conto.
JPB - Qual consideras ser a tua identidade, a tua marca, enquanto escritora?
Joana Salgado - Gosto de escrever coisas simples, que sejam de fácil leitura, divertidas e com ritmo. Escrevo quase como penso e falo, é corrido e muito imaginativo. Gosto de prender o leitor até ao fim, que ele sinta o personagem principal como seu e o fim deixo sempre em aberto. Cada um escolhe ou imagina como gostaria de terminar a história que conto. Quando escrevo para as crianças e jovens, deixo sempre o lado lúdico bem visível e de fácil compreensão. Há sempre uma moral na história.
JPB - Desde que frequentaste o secundário, no Brasil, onde residias na altura, sente-se na tua escrita a busca incansável de escreveres sempre grandes histórias. Crês que se deve a algo em especial?
Joana Salgado - Sempre gostei de ler, li muito e ainda leio. Ler faz-me viajar pelo imaginário de cada história. Quando comecei a escrever vivia no Brasil, escrevia de forma mais inocente, sem preocupação com o leitor. De lá para esta data, as histórias foram mudando, assim como eu, que fui amadurecendo com a vida. Hoje escrevo de forma mais leve, descontraída. Deixo o meu imaginário fluir, a minha criatividade espalhar-se na escrita. Procuro dar sempre uma base moral nas minhas histórias para crianças e jovens. E deixo os adultos imaginarem-se na pele do personagem principal. Não escrevo para mulheres ou homens, escrevo para todas as pessoas. Como os finais são abertos, tenho sempre a possibilidade de dar continuidade à história e já o fiz algumas vezes.
JPB - Escreves com enorme frequência em antologias/colectâneas, poderei testemunhar que sempre com surpreendentes histórias que nos cativam. O que achas de escrever em antologias e qual o teu maior propósito ao fazê-lo?
Joana Salgado - A partir do momento que editei o Malaquias, e a adesão foi muito boa, comecei a estar atenta aos concursos que surgiam. Comecei pelas colectâneas por mero acaso. Neste momento participo em concursos de coletâneas em prosa. Em todas as coletâneas que participei, e já são 7 editadas e 4 por editar, os meus contos foram aceites e apreciados. Escrever foi-se tornando um vício e uma procura imediata de melhorar cada vez mais a minha escrita. Participo essencialmente por dois motivos. Porque me submete a uma melhoria na minha escrita, conduz-me a aprimorar o conteúdo e a ser versátil nos temas. Depois, porque quero que a minha escrita seja divulgada pelo nosso país e pelo mundo a fora. Nada melhor do que uma coletânea para ser lida por todos os públicos. Só assim posso mostrar quase que de imediato quem eu sou como escritora e criativa.
JPB – Ao ler-te fico com a sensação de que existe uma relação emocional bastante forte das tuas personagens com a própria escritora. Há mesmo uma enorme empatia ou é tudo imaginação da autora? O facto de seres psicóloga clínica tem alguma importância extra nessa relação?
Joana Salgado - Em cada conto, seja infantil ou não, há sempre um pouco de mim. Quem me conhece muito bem, identifica-me no conto. Descobre o meu traço pessoal até o da minha vida pessoal. A empatia com o personagem tem a ver com o facto de o próprio personagem ser simples, divertido e dinâmico, como eu sou. Escrevo muito para mim, para que eu própria me prenda na leitura e na dinâmica de cada história. Tenho de gostar do que escrevo senão não tenho história. A prática clinica ao longo de mais de 20 anos, o facto de ter sido formadora durante 20 anos, dá-me uma base fundamental para construir cada personagem, a sua família, os seus afetos, a sua personalidade, a sua conduta, ética e moral. Na conjunção de quem eu sou como pessoa, da minha bagagem profissional como psicóloga clinica, formadora, mãe de 3 filhos, com a maternidade depois dos 40 anos e o facto de gostar muito de animais, faz-me construir cada personagem delicadamente e sem exagero nas suas acções.
JPB - O que mudou em ti como escritora residente no Brasil e o que achas que acontecerá contigo, aqui em Portugal, dentro de 10 anos no panorama da literatura em Portugal?
Joana Salgado - A vida fez-me amadurecer mas sem nunca me tornar numa pessoa azeda. O facto de morar no Brasil mais de 14 anos ajudou-me muito a ter uma bagagem cultural muito diversificada, o que me ajuda a construir enredos. Espero ser reconhecida como uma escritora de valor, não como a melhor, pois cada autor escreve para um público distinto ou diversificado. Cada um tem o seu modo ou a sua marca. Somos todos iguais e diferentes. Apenas uns conseguem mais facilmente captar a atenção do leitor do que outros.
JPB – Crês que o estado da literatura portuguesa, com esta malfadada crise essencialmente cultural, corre o risco de se desmorenar no vazio ou ainda há esperança para jovens escritoras como tu?
Joana Salgado - A cultura nunca morre. Os hábitos de leitura é que ainda são de pouco investimento por parte dos pais e educadores, embora se faça um esforço para que as crianças gostem de ler. Mas os próprios pais têm de também gostar de ler e incentivar a leitura. Acredito que os escritores sempre terão lugar na cultura nacional. Haverá sempre novos e talentosos escritores, independentemente da sua idade, que irão emergir e nos encantar com as suas histórias. O ser humano é por natureza criativo e sonhador. Haverá sempre quem escreva e quem leia as histórias.
JPB - Muitas vezes considera-se que os jovens escritores aspiram a grandes rasgos estéticos nos seus livros mas não respeitam a inteligência do leitor. Sabendo dos problemas pessoais que tiveste, crês que, mais do que ninguém, sabes dar valor aos sentimentos de quem te lê?
Joana Salgado - A minha vida, como me dizem os amigos mais chegados … daria um livro, mas eu diria que daria mais do que as páginas de um grande livro. Creio que a minha história de vida, sobrevivente de vários problemas graves, reconstrução da minha vida depois dos 40 anos, com dois filhos pequenos, numa luta de dia-a-dia, faz-me não ser lamechas, mas sim praticar e com a esperança no dia de hoje e no de amanhã. Toda esta vivência facilita-me a criação de personagens, pois dou-lhes a esperança de lutar pela vida. Não há desistentes, há lutadores, sempre. Sou uma pessoa simples e positiva. A minha escrita é como eu, simples e positiva. Não escrevo sobre a minha vida, escrevo sobre a vida. Tal como eu me prendi nas centenas de livros que li, gosto de prender o leitor no que eu escrevo. Hoje para além de tudo isso, sou também a escritora que usa conhecimentos de psicologia, da mistura cultural de ter vivido no Brasil e em Portugal, a minha maternidade e a minha postura diante da vida.
JPB - Dizem que só enquanto permanecemos desconhecidos é que podemos levar a cabo o nosso trabalho. O que pensas disso, sendo que escrever para ti é um prazer enorme e publicas regularmente em várias antologias para dares a conhecer o teu trabalho.
Joana Salgado - Não é só quando permanecemos desconhecidos que podemos levar a cabo o nosso trabalho. Mesmo quando somos conhecidos somos desconhecidos para alguém. Ser conhecido ou não o importante é que a minha escrita fique registada, para que possa ser lida. Se gostava de ser conhecida, gostava e quero. Mas se não for conhecida, serei desconhecida, mas sempre conhecida por alguém, e isso é o mais importante. Escrevo para isso.
JPB – Agradeço-te imenso a tua disponibilidade e, antes mesmo de terminarmos esta nossa entrevista. confidenciaste-me teres já sido contactada por editoras para publicares com elas. Porém, nenhuma delas te fez qualquer proposta de edição por sua única conta e risco. Consideras que as editoras independentes que proliferam no nosso país aliciam os escritores com a promessa de consagração ou apenas fazem da edição um negócio? O que falta na tua opinião aos jovens escritores para “mostrarem” os bíceps sob a camisa da luta para poderem editarem?
Joana Salgado - Não acredito nas editoras, como a maioria dos meus colegas não acredita. As editoras em Portugal promovem apenas o seu lucro e não os verdadeiros escritores. Um escritor verdadeiro tem de lutar e nunca desistir e é isso que eu faço. Um dia as editoras ainda me irão procurar e nessa altura eu decidirei se estou interessada nelas ou não. Acredito em mim.
Contatos com a escritora:
- miudostraquinas.bloguepessoal.com
- https://www.facebook.com/salgado.joana.2013?fref=ts
Contato com o entrevistador João Paulo Bernardino (JPB)
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