João correu - por Maria Estela Ximenes

          JOÃO CORREU

 

João sempre foi um corredor. Nunca  aceitou ficar parado esperando os ponteiros se ajustarem.   Alcançar suas metas  através da corrida sempre fez de João um homem vencedor. Não  admitia chegar por último. 

 Lembrou de quando era um moleque  de canelas fortes, e  como  gostava de disputar corrida com os colegas. Sempre  correu - correu quando era menino,  quando se tornou adulto,  correu em volta das mulheres, à  procura de um emprego, correu contra o tempo,  correu caçando passarinhos. Venceu corridas  que só um corredor experiente venceria. Correu com  pesos para vencer as batalhas e receber aplausos, depois concluiu que aplausos só trás  ilusão; correu em direção contrária aos  pesos para não ter que carregá-los. 

João tomou uma decisão. Decidiu naquele instante que devido as circunstâncias,  precisaria correr como jamais correu. Aproximou-se da varanda do  apartamento e contemplou os pontos brilhantes que iluminavam a cidade.  E como um filme que passa na  cabeça das pessoas quando  sentem que o fim se aproxima, absorveu todo o diálogo  atrás daquela  porta. Porta,  local que se  revela sem pudor o que alguém poderia dizer face a face mas não diz. Prefere revelar atrás da porta, alheio que do outro lado, alguém esteja de ouvidos atentos.

E João esteve atento desde o momento que ouviu o seu nome, sabia que existem inúmeros João  por aí, mas prevalecia a certeza de que o João  citado atrás da porta era ele. Era ele que sorria demais, esquecia a toalha molhada em cima da cama, era ele que  ao invés de andar, corria. 

Sentia-se indisposto, mas  não tinha noção da  gravidade da  doença. Um misto de surpresa e desânimo tomou conta de João, resultado  da certeza  de que não  era uma doença  temporária,  tampouco tinha  cura.  Antigamente, os médicos não revelavam  pessoalmente  para os seus  pacientes que eles teriam pouco tempo de vida, encarregavam os familiares  a tarefa de ir enganando o paciente até que ele fosse embora. Hoje, a informação é  transmitida para o principal interessado, sem meias verdades, para que ele vá se despedindo e espalhando lembranças  até o seu último suspiro.

Novamente João não iria  esperar,  os resultados indicavam que o seu derradeiro suspiro ocorreria em breve. A conversa atrás  da porta era clara, em questão de minutos,  ele receberia  a má noticia.

Não daria tempo dele correr, e correr nesse caso,  não era o suficiente.

Observa novamente  os pontos laminosos que  piscam para ele. Ruas, avenidas, lojas e carros acenando boas- vindas. 

Decidido, João  encontra a solução, flutua de encontro ao último ponto de  chegada.

 

 

 

 

 

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