JOÃO CORREU
João sempre foi um corredor. Nunca aceitou ficar parado esperando os ponteiros se ajustarem. Alcançar suas metas através da corrida sempre fez de João um homem vencedor. Não admitia chegar por último.
Lembrou de quando era um moleque de canelas fortes, e como gostava de disputar corrida com os colegas. Sempre correu - correu quando era menino, quando se tornou adulto, correu em volta das mulheres, à procura de um emprego, correu contra o tempo, correu caçando passarinhos. Venceu corridas que só um corredor experiente venceria. Correu com pesos para vencer as batalhas e receber aplausos, depois concluiu que aplausos só trás ilusão; correu em direção contrária aos pesos para não ter que carregá-los.
João tomou uma decisão. Decidiu naquele instante que devido as circunstâncias, precisaria correr como jamais correu. Aproximou-se da varanda do apartamento e contemplou os pontos brilhantes que iluminavam a cidade. E como um filme que passa na cabeça das pessoas quando sentem que o fim se aproxima, absorveu todo o diálogo atrás daquela porta. Porta, local que se revela sem pudor o que alguém poderia dizer face a face mas não diz. Prefere revelar atrás da porta, alheio que do outro lado, alguém esteja de ouvidos atentos.
E João esteve atento desde o momento que ouviu o seu nome, sabia que existem inúmeros João por aí, mas prevalecia a certeza de que o João citado atrás da porta era ele. Era ele que sorria demais, esquecia a toalha molhada em cima da cama, era ele que ao invés de andar, corria.
Sentia-se indisposto, mas não tinha noção da gravidade da doença. Um misto de surpresa e desânimo tomou conta de João, resultado da certeza de que não era uma doença temporária, tampouco tinha cura. Antigamente, os médicos não revelavam pessoalmente para os seus pacientes que eles teriam pouco tempo de vida, encarregavam os familiares a tarefa de ir enganando o paciente até que ele fosse embora. Hoje, a informação é transmitida para o principal interessado, sem meias verdades, para que ele vá se despedindo e espalhando lembranças até o seu último suspiro.
Novamente João não iria esperar, os resultados indicavam que o seu derradeiro suspiro ocorreria em breve. A conversa atrás da porta era clara, em questão de minutos, ele receberia a má noticia.
Não daria tempo dele correr, e correr nesse caso, não era o suficiente.
Observa novamente os pontos laminosos que piscam para ele. Ruas, avenidas, lojas e carros acenando boas- vindas.
Decidido, João encontra a solução, flutua de encontro ao último ponto de chegada.