Jogos Florais da Murtosa 2015
POESIA
“O homem, a terra e a água”
COAR AREIA
(joeirar o mar)
Momentos
Da terra tactear o pó
do mar a poalha
tempo breve.
Retirada a claridade às manhãs
lamúrias
em gotas
sobre as conchas que não colhemos.
Encarcerada saudade,
na banalidade do tempo
afiado
em gume brilhando na noite
como fogo de Prometeu.
Um dia… dir-te-ei de mim
e do que ficou.
Falar-te-ei de sonhos e de desgaste.
Nesse dia,
não haverá gaivotas.
Ausência/Despedida
Jamais quantificarei o silêncio
nesta ausência de ti…
Regressa,
ainda que a luz estrebuche no deserto,
a carne não suporte o peso das mágoas,
a maré varra o princípio de tudo,
arraste areias,
penas e asas.
Regressa.
Fica.
O mar está perto
nossos sonhos ficaram na água.
Sei que não haverá amanhã sem ti.
Naufrágio
A qualquer momento
fátuos gestos, sentires coalhados
exauridos
flecha certeira
e o veneno
dentro
depois,
a onda,
a ferida ateada
como fogo em sal.
E não há poemas de amor
nos restos dos barcos.
Apenas leivas
em negrume.
sobre os órfãos,
a ferrugem dos dias
emoldura as sobras.
Numa gota de saliva
Ardem âmagos feridos,
cadáveres expostos à míngua traçada
espectros sedentos de renovação
dos olhos do mundo a lágrima caída
encurta distâncias
alonga injustiças.
Ácida, abafa toda a criação.
No arco-íris do pranto
a esperança ao fundo.
Mar profundo.
O caminho infértil terminará
quando as mãos em concha
segurarem toda a água perdida.
Serão breves instantes,
recitarão poemas e versos
onde velas brancas
(ao ritmo do feixe de luz)
(re)clarearão odisseias de abril.
Luas Novas guardarão as horas más
numa gota de saliva.
Lavradeiras
Ventres e braços
curvados.
O amanho
tamanho
sem gemido.
Mourejado
calado
irrompe a seara,
entre mãos e suor
foice
e golpe.
Os cânticos
os soluços
e o peito gretado.
Delas todos os poemas.
Atravessam-lhes os lábios, a língua, a pele, o sangue
e arrefecem na boca
à espera da noite.
Ante a morte
Pasmo na placidez.
O tempo nada diz sobre o voo das aves
o fogo extinto
ora cinzas.
Pasmo.
Sei de aves
descendo mansas sobre o teu olhar.
Arrefecem-te o ventre
esvoaçam-te a carne
secam-te o sangue.
As pálpebras,
cansadas de correr silenciosas sobre a praia,
os dias
magoados
e sem voz,
cerram.
E eu pasmo.
De mim
mar revolto
espaço dado ao luto
frio
frio
sem tréguas.
Conceição Oliveira
In, COAR AREIA (joeirar o mar), JOGOS FLORAIS da MURTOSA
2º Prémio Literário