Lavadora Automática - por Anchieta Antunes

Lavadora Automática - por Anchieta Antunes

LAVADORA   AUTOMÁTICA

 

         Sou uma delas; grande, forte, resistente e branca; branca metálica brilhante. Acho que nasci branca para deixar as roupas bem branquinhas, e, naturalmente, limpas, do contrario não faz sentido trabalhar em  uma casa. Não digo meu nome para não gerar ciúmes na convensão de feministas convencionais.  Somos todas concorrentes e adoramos desafios. Sempre queremos ser melhor que nossa vizinha.

         É verdade que sou velhinha e trabalho para esta família há alguns anos. Freqüentei o hospital (oficina) algumas vezes. Quando o cansaço me acomete, finjo-me de doente para ganhar a oportunidade de visitar o estaleiro, onde sou tratada com todo carinho. Começam tirando toda minha roupa, bem entendido, não a roupa que lavo e sim a minha mesma. Laterais, traseira e cabeça, digo, tampo. Trocam alguns de meus membros, como correias, engrenagens, cabos elétricos e circuitos. Depois me dão meu melhor alimento: óleo vegetal. Fico toda molhadinha e cheia de amor pra dar.

         Foi durante um destes períodos de revisão que minha “dona” (depois explico) resolveu colocar no espaço que consegui a custa de sangue, suor e lagrimas, uma co-irmã com nome diferente do meu. Quando voltei para casa deparei-me com aquele “monstrengo” deselegante olhando para mim com cara de más amigas. Era  imensa aquela coisa e eu bem pequenininha; como se eu fosse do jardim de infância e ela já na faculdade de Ciências Jurídicas. Só podia ser mesmo, “ADVOGADA” aquela intrometida, e protegida de minha, agora nossa, “dona”. Dono ou dona: lembro-me dos tempos da colonização, quando os africanos eram trazidos na “marra” pagando imposto de importação, como se fossem mercadorias, e vendidos em praça publica. Humilhação e ignomínia era o sentimento de todos. Como é que um homem pode comprar outro homem? Viva Isabel!!! Também  fomos compradas em lojas de departamentos.

         Senti-me rejeitada, aviltada e relegada a um segundo plano. Nem roupa me davam mais para que eu pudesse trabalhar, mostrando meu valor. Escutava vozes dizendo:

         _A outra é melhor!...

         Chorei de raiva e revolta, mas não podia fazer nada para minorar meu sofrimento. Sabe? Aquele trapo velho que se joga no lixo? Era assim que me sentia! É verdade que a “outra” era grande, jovem e forte como um ipê, desafiando furacões e vendavais. Eu, só não usava muletas, porque lavadora não usa muletas.

         Eis que chegou minha hora... a hora da vingança.

         Dezembro; a casa cheia de gente como filhos, filhas, netos, netas, parentes e aderentes e ainda os agregados. A “grandona” resfolegava como locomotiva, tipo “maria fumaça”. Era tanta roupa que parecia estarmos trabalhando para um hotel. E  L  A   não aguentou o “tranco” e começou a exalar fumacinha pelo nariz ( neste conto lavadora tem nariz) . A “dona” assustou-se e gritou:

         _Desliga essa “fracote”...

         Exultei de alegria, de jubilo, de satisfação, de tudo o mais que uma alma pesarosa e sofredora pode sentir quando é abandonada à sua própria sorte e percebe sua redenção batendo à  porta. Foi o melhor dia do meu ano...

         Sabe aquela “vingança”   que falei lá atrás ? Pois é ! tinha chegado meu momento. Boicotei minhas entranhas e parei de trabalhar. Dona Maria, minha senhora absoluta, só faltou ficar maluca.

         _E agora ? perguntava aflita...

         _Manda para a assistência técnica, urgente... disse alguém. 

         Antes  porem, para poupar “poupanças” resolveram chamar um arreliado, dito “consertador de maquinas automáticas. Veio... deu-se o desastre.

         _Tenho que levar para “minha oficina”, disse o  apoquentado mecânico dono de uma oficina.

         Ficaram todos contentes com a oficina do homem. Tres dias depois...

         _Tem jeito não, seu moço! Informou o mecânico.

         _Que aconteceu com a maquina ? perguntou aflito o proprietário da desmazelada maquina.

         _Sabe o que foi...?

         _Não, não sei!

         _Deixe eu dizer, seu moço

         _Diga...

         _Como ? se o senhor não pára de perguntar ? Tirei uma peça para testar e não sei mais colocar no lugar.Só isso...

         _Mas o senhor não disse que é mecanico...?

         _Sou mecânico, Deus não!!!

         _E por acaso estou lhe pedindo para obrar um milagre ?

         _É isso aí, tá quebrada e fim de papo, mande para uma autorizada, e o senhor me deve R$ 50,00.

         _Como lhe devo R$ 50,00 se o senhor quebrou minha maquina ?

         _Quer que eu chame a policia, ééééé ?

         A maquina voltou com um ágio de R$ 50,00 e quebrada, agora sim, sem “jeitinho  brasileiro”...

         Mandaram a mim, que sou mais baratinha; só que não fui para uma autorizada e sim para um mecânico de fundo de quintal. Mais barato ainda. O cara trocou meu painel que vinha luzindo na minha testa por tanto tempo! Como ele não dispunha do meu painel em suas prateleiras, colocou a de uma prima minha. Todos sabemos que “parecido não é igual”. Meus circuitos, todos trocados, entraram em polvorosa; quando pressionavam lavar, meu cérebro comandava, enxaguar; centrifugar, lá vinha lavar e assim por diante. É verdade que esforços foram exauridos para me obrigar a fazer a coisa certa. Até que eu queria, mas estava “estrábica” manca, dolorida e vendo três em um. Era impossível obedecer ordens. Foi um deus nos acuda; e nada. Continuava a casa sem lavadora e com duas lavadoras. Já viu que situação ?

         Resolveram mandar a reluzente para uma “autorizada” de verdade, lá na Capital.

         _Quando vocês me dão o orçamento ? perguntou o motorista. Isto foi numa quarta-feira..

         _Na próxima sexta-feira, respondeu a atendente.

         Isto foi há dois meses atrás e até hoje nada de orçamento, muito menos de lavadora trabalhando.

         _Minha senhora, por favor, pelo amor de Deus, me dê o orçamento da minha lavadora, grita no telefone minha dona.

         _Qual o numero da ordem de serviço? Pergunta pela milésima vez a

atendente. A senhora tem a Nota Fiscal do produto ? pergunta a voz do além

         _Vou mandar meu marido procurar...

         Acontece       “Q  U  E”    seu João, o marido, não consegue encontrar nada que procura. Já virou piada no lar doce lar...

         _Não está no arquivo, diz ele sóbrio como uma porta.

         _Mariinha, vai procurar a nota fiscal; teu pai não encontrou...

         _Era o primeiro documento do arquivo mainha... diz a filha.

         O documento estava à vista de qualquer cego, na frente de todos os outros documentos, vibrante e pulsante e ainda gritava – tô aqui

         Com a  nota entregue a maquina vai ser consertada gratuitamente. Está dentro da garantia.

         _Ai que maravilha!

         _Dona Maria, mandei buscar a peça na fabrica. Aqui não temos. Demora só um mês, avisa a voz estridente.

         Até aí já vamos para três meses sem lavadora em casa; ainda bem que aquele mundaréu de gente já foi embora; e eu continuo relegada a um segundo plano, cheia de poeira no meu cantinho...

         Do sussurro que escutei, deduzi que vão me mandar para outro “mecânico”. Espero que este tenha um pouco mais de juízo e me deixe inteirona, como já fui um dia. 

         Continuo esperando minha viagem para o conserto ou para o abate.

 

        

ALAOMPE

Anchieta Antunes

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Gravatá – 02/03/11

 

         

 

 

 

 

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