MANEQUIM
Lá estavam todos. As ruas apinhadas de pessoas que, apressadas, iam e vinham, tomando contas das ruas, calçadas e vitrines.
Alguma coisa do tipo: “Da dura poesia concreta de tuas esquinas. Da deselegância discreta de tuas meninas”, expressão cantada por um novo baiano que, como tantos, se mesclam nas ruas da antiga São Paulo: Sampa para os mais íntimos.
Ausente a tudo, o manequim.
Algo naquele inanimado, a observar-me na loja fechada, chamou a minha atenção.
Não! Não era a roupa cara, pouco tecido, sustentada por uma etiqueta mínima, preço máximo, que mal comportava a quantidade de reais nela escrita.
Também não era a cor, nem o brilho.
Pelo reflexo do vidro, eu sentia o seu agitar interno. Uma inquietude estranha transbordava naquela estátua. Um novo tipo de Colosso de Rodes, uma das sete maravilhas do mundo atualmente. Falo do manequim, claro!
E se como vida tivesse, parecia me chamar, disposto a contar tudo o que vivera até aqui, enquanto a etiqueta, cheia de franjas, agia num movimento revolucionário, pois ficava a balançar, contrariando o desejo de imobilidade imposta ao manequim. Um escravo do capitalismo selvagem, representado sem feições humanas e assim, semelhante a toda espécie.
Que ser passivo! Olhando indiferente a tudo e a todos.
Agitei-me. Resoluta, dei um passo e para minha grande surpresa...
- Oh, Deus do céu! Não! Não pode ser. – soltei de pronto, ao notar que o manequim também se movera, vindo em minha direção.
Não, não! “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto
Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto”.
Mais um passo e só então percebi que aquele ser inanimado, estático, vestido e adornado de dourado, etiqueta recheada, era o meu reflexo no espelho.
De súbito, ouvi a abelha que passava. A buzina dos automóveis e o órgão da Catedral da Sé.
Sorri como nunca antes. Afinal, não precisava mais de etiquetas para viver. Libertei-me dos reflexos.
“Sampa – Música de Caetano Veloso”.