Por João Paulo Bernardino - Escritor
Marisa Luciana Gomes Alves, mora em Bragança, Portugal, é professora de Português e Inglês há 15 anos. Desde pequena sempre quis ser professora de Português e consegui-o. Licenciei-me em Português-Inglês e tirei o Mestrado em Literatura Portuguesa. Adoro a minha profissão e ensinar é a minha vida. Ainda mal sabia falar (contam os meus pais), já dizia que era isso que queria fazer pela vida fora.
A escrita sempre esteve presente na minha vida. Não dispenso um bloco de notas e uma caneta, para registrar momentos e coisas importantes.
Amo a vida. Considero-me uma lutadora, pois fui operada ao coração em criança e hoje estou aqui para contar a história.
Sou muito ligada à família. Fui uma criança feliz e os valores que os meus pais me incutiram mantêm-se ainda hoje presentes em mim: a responsabilidade, o amor pela família, a amizade, a entreajuda, a solidariedade. Tento, através da minha escrita, passar nos contos infantis alguns desses valores, que considero importantes para o crescimento da «gente pequena» que lê os meus contos.
Sonho que os meus contos possam um dia vir a ser lidos por crianças em todo o país.
“Muitas vezes não sei logo para que serve o que registro, mas depois vai ganhando orma. A meu ver, o papel principal do escritor é conseguir chegar ao leitor com os seus textos. Se conseguir isso, deve sentir-se realizado.”
Boa Leitura!
JPB – Marisa, agradeço-te antes de mais pela oportunidade de nos concederes esta entrevista que muito nos honrará. Muitos escritores preferem escrever mais sobre o que acontece à sua volta do que sobre as fantasias do mundo em que vivem. Como é o teu caso, sabendo que já editaste livros infantis, de culinária e de pesquisas?
Marisa Alves - Obrigada. Eu é que agradeço a oportunidade de poder ser entrevistada. Em relação à pergunta que me colocas, realmente os livros que publiquei até agora não têm nada de comum entre eles, apenas o facto de me ter dedicado a todos da mesma forma e da minha paixão pela escrita, que penso ser o grande motor. Desde pequena que adoro escrever. Escrevia discursos para festas de Natal, escrevia pequenas histórias, algumas das quais ainda guardo em casa. Já como professora, organizei dois livros sobre determinados temas e assuntos. Por isso, a escrita esteve e está sempre presente na minha vida. Apesar de os meus livros publicados serem de registos diferentes, sei que surgiram das minhas vivências entre família e como professora.
JPB - Os teus livros falam maioritariamente de contos infantis, com enorme realce pela Natureza, onde acabas por encontrar as tuas personagens. O que te levou a escrever para crianças e como trabalhas esta área em especial? Por oportunidade de mercado em Portugal ou unicamente por gosto?
Marisa Alves - João Paulo, eu nasci em Vinhais, uma vila transmontana rodeada de Natureza. Ali brincava na rua, arrancava as flores do campo, fazia bolinhos com terra e água. Habituei-me a observar a beleza que a Natureza nos dá, a mudança das estações, as lides agrícolas das gentes da terra. O que me levou a escrever para crianças foi algo muito casual, mas engraçado. Surgiu de um texto que eu escrevi sobre a neve, onde me dirigia a ela, pedindo que se fosse embora, isto depois de, na minha zona, ter nevado três vezes em duas semanas. Mostrei esse texto ao meu irmão, que é professor de primeiro ciclo, e foi ele que me incentivou a escrever para crianças. Assim nasceu o conto «O sono da Primavera». Já antes alguns amigos tinham sugerido que eu o fizesse, mas escrever para crianças não é tarefa fácil e eu tinha noção disso. Além disso, é uma grande responsabilidade, pois é nos contos que muitas vezes as crianças encaram dificuldades, enfrentam perigos, aprendem a distinguir o Bem do Mal.
JPB - O livro “O SONO DA PRIMAVERA E OUTROS CONTOS” é o teu ponto de partida nesta viagem como escritora de literatura infantil, presenteando-nos com contos lindíssimos como “O ninho do Papá Cegonha”, “O sono da Primavera” ou “A Papoila que queria morar na estufa”. Que caminhos pensas ainda passar nessa viagem pela literatura infantil e qual o teu destino como escritora?
Marisa Alves - Bem, na minha viagem pela literatura infantil, quero escrever muito mais e melhor. Mas, como se costuma dizer, «O futuro a Deus pertence» e eu não sei o que vai acontecer. O que posso sim dizer é que vou continuar a escrever para crianças. É algo recente na minha vida, mas sinto necessidade de o fazer. Tenho mais alguns contos infantis escritos, que penso virem a ser publicados em breve. Alguns retratam, da mesma forma, ambientes e personagens baseadas na Natureza; outros tocam de perto temas importantes como as alterações climáticas, a dislexia e a lateralidade. Espero, ao tratar esses temas, poder mostrar às crianças que lêem os meus textos a lidarem com a diferença. Acima de tudo, anseio que os meus contos sejam lidos pelos pequenotes, pelos pais aos filhos, pelos avós aos netos, permitindo, com a sua leitura, que as crianças enriqueçam a sua imaginação e os pais e avós possam regressar à infância.
JPB - Em Portugal são editados 1.500 títulos por mês. O que têm os teus livros de diferente que levem o leitor (sobretudo as crianças) a escolhê-los em detrimento de outros?
Marisa Alves - Essa pergunta é curiosa. Penso que será mais fácil ao leitor dos meus contos responder, mas vou tentar. O que têm os meus contos de diferente? Talvez a escrita, os valores, os temas tratados… Quem conhece a minha escrita sabe que eu gosto de escrever bastantes diálogos e descrições. Acho que permitem aos leitores uma melhor apreensão da história. Tento fazer com que nos meus contos apareçam valores como a amizade, a entreajuda, a preocupação com o outro, a felicidade, a família, pois muitas vezes as crianças identificam, no seu dia-a-dia, determinadas atitudes das personagens dos seus contos infantis. É só falar com uma criança para perceber a influência que têm na sua vida, comparando-se ou distinguindo-se das personagens, conforme o que acha correto ou errado. Em “O SONO DA PRIMAVERA E OUTROS CONTOS”, o próprio título dá logo uma ideia do que poderá tratar a história. Acho que isso pode ser uma motivação para escolherem os meus contos em detrimento de outros.
JPB - Tens igualmente um outro livro, este sobre culinária. Fala-nos um pouco sobre o teu livro “DE SUPLICAR POR MAIS…” e do facto de o dividires em nove partes, como se de uma refeição se tratasse.
Marisa Alves - Desde sempre fui uma apaixonada pela culinária e muito nova comecei a frequentar os meandros da cozinha. Como eu costumo dizer: «Estraguei muitos ovos à minha mãe, gastei muito açúcar e muita farinha». (Risos) O livro “DE SUPLICAR POR MAIS…” acaba por ser um pouco a junção entre a minha paixão pela escrita e pela culinária. As receitas presentes nele foram escolhidas dentre muitas por serem práticas, fáceis de elaborar e porque algumas podem ser feitas aproveitamentos de comida que sobra, o que nesta época de crise é uma vantagem para se poder poupar no orçamento familiar. Encontra-se dividido como se de uma refeição se tratasse principalmente porque, para mim, uma refeição é a altura em que se confraterniza em família, em que se valoriza o que se come. Além disso, eu dou muito valor à culinária, que considero uma arte.
JPB - O centro nevrálgico do teu livro “DE SUPLICAR POR MAIS” prende-se com o registo de algumas memórias culinárias da tua mãe e uma homenagem às tradições gastronómicas transmontanas. É uma questão fundamental para ti, uma vez que amas a vida e és imensamente ligada à família?
Marisa Alves - Como sabes, Portugal é tão rico em variedades linguísticas como em gastronómicas. Cada zona tem um linguajar específico, com vocabulário particular, assim como tem também uma gastronomia própria. Prova disso são as receitas que existem em todo o país, em cada zona, com as suas especificidades tradicionais, culturais e históricas. A elaboração de receitas está presente na nossa vida: nos banquetes de casamento, nos batizados, nas festas de aniversário, nos almoços de negócio, nos jantares de final de curso. É à mesa que se cumprem os mais variados rituais dos momentos mais importantes da nossa vida social e familiar. Com esta publicação, quis registar algumas das memórias culinárias da minha mãe, que é a grande responsável por eu gostar tanto de cozinhar. Sei que ao colocar neste livro alguns pratos da minha zona das gentes de Vinhais (Bragança), fiz também uma séria homenagem às tradições gastronómicas transmontanas.
JPB - Alguns escritores escrevem apenas para deixarem o seu legado aos descendentes. Achas que esse é o teu caso e que deve ser este também o papel principal do escritor?
Marisa Alves - Escritor é quem usa a escrita para se expressar. Muitos pensarão, ao fazê-lo, no futuro. Eu, porém, penso mais no presente. Escrevo no momento para o leitor do presente, mas sei que nós passamos com o tempo e o que escrevemos perdura. Escrevo porque sinto necessidade de o fazer e de registar as ideias que vão surgindo na minha cabeça. Muitas vezes não sei logo para que serve o que registro, mas depois vai ganhando forma. A meu ver, o papel principal do escritor é conseguir chegar ao leitor com os seus textos. Se conseguir isso, deve sentir-se realizado.
JPB - Tens um outro livro “CONTANDO MEMÓRIAS…”, por sinal o teu primeiro livro editado, resultado de uma pesquisa da literatura e da cultura do povo alentejano. O que julgas necessário num livro com esta temática para prender a atenção do leitor como um náufrago que se agarra, em plena tempestade, a um pedaço de madeira?
Marisa Alves - O livro «CONTANDO MEMÓRIAS…» tem um pouquinho do que é ser-se alentejano. Nasceu de um interesse enorme que eu tenho pela etnografia e, acima de tudo, pela vontade de ver registados os conhecimentos, muitos deles memórias de infância, dos meus alunos da Oficina de Escrita e Leitura, na Universidade Sénior de Borba. Eles estiveram apenas contando memórias, memórias esquecidas, memórias relembradas. Nele estão registados exemplos de Literatura Popular Alentejana, de medicina popular e apontamentos etnográficos da região. Em relação à tua pergunta, penso que um livro deste tipo deve ser o registo da alma do povo, sem esquecer o que somos, mas, mais que tudo, de onde vimos e o que fizemos, para podermos cimentar sobremaneira a nossa Identidade.
JPB – Embora seja suspeito, uma vez que conheço a tua obra literária, a que pensas dever-se a tua escrita nobre e atraente, com textos fraseados estilisticamente impecáveis e exemplares?
Marisa Alves - Escrever. A escrita é um caminho que se faz escrevendo e a minha pauta-se por algum esforço e dedicação, aliados a pesquisa. Tem de haver responsabilidade no que se escreve. Eu escrevo e reescrevo constantemente os meus textos. Não podemos, de forma alguma, escrever incorrectamente ou dar informações erradas. Lembro-me, a esse respeito, do conto «O ninho do Papá Cegonha», em que, para o escrever, verifiquei aspectos como o período de nidificação, a zona onde vivem e a alimentação de algumas aves, que serviram de personagens. Sou uma escritora «à moda antiga», ando sempre com um bloco de notas e uma caneta, não me vão surgir ideias e eu não tenha onde as registar (Risos). A escrita esteve sempre presente na minha vida, é verdade, mas sei que a frequência do Mestrado em Literatura Portuguesa me permitiu aprender a escrever de outro modo, além de me dar esse cunho de investigadora, que creio ser essencial para consolidar ideias.
JPB – A nossa entrevista está a chegar ao fim. Agradeço a tua amabilidade para com a DIVULGA ESCRITOR, mas os nossos leitores não quererão deixar de saber o que te levou a escrever. Foi o facto de quereres alterar alguma coisa no nosso quotidiano? Que mensagem desejas deixar com os teus livros?
Marisa Alves - Eu é que agradeço, João Paulo, pela tua entrevista. Aproveito para agradecer também à DIVULGA ESCRITOR, pela promoção da escrita, principalmente da que diz respeito aos novos escritores, muitas vezes deixados um pouco de lado. O que me levou a escrever? Talvez o facto de me ter apercebido que os meus textos podiam ser lidos por alguém mais que a família, para quem fui escrevendo ao longo da vida. A mensagem que eu pretendo deixar com a leitura dos meus livros é a de que nunca devemos deixar de lado os nossos sonhos, eles é que nos fazem viver. Devemos sempre lutar por conseguir o que queremos, mesmo que por vezes pareça algo quase impossível de alcançar. As histórias presentes nos meus contos são exemplo disso mesmo. Obrigada, mais uma vez!
Contato com a autora e compra do livro:
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Livro: https://edicoesvieiradasilva.pt/content/o-sono-da-primavera-e-outros-contos
Contato com o entrevistador João Paulo Bernardino (JPB)
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