Meu Recife
Dia desses caminhava eu pelas ruas do meu Recife. Tudo era festa. Pisei ali, o seu marco zero, onde tudo começou. Beijado pelo rio Capibaribe e lambido por seu mar morno ele ilumina-se em exuberância. Conta-me histórias. Algumas a perderem-se de vista pelo tempo, outras, vivenciadas por mim em alumbrado descobrimento da riqueza que vislumbro. Céu de estrelas. Não poderia ser diferente. Lua manhosa escancarando sorrisos para a terra que, enamorada das suas noites, derrete-se em canções levadas pelos ventos fortes e sua maresia ímpar. Mais um pouco e toco o céu, reverberando a nostalgia que em mim eclode. Namoro o rio que passa silencioso, quem sabe, carregando as paixões que vivenciou no seu caminhar. Recife da liberdade e da libertinagem... Ah, como é bom de quando em vez ser libertino e dar-se o direito de fazer-se feliz, ainda que seja em flertes rápidos por uma cidade que descansa sobre as abençoadas águas.
Nasce em mim um afeto repentino, enquanto os meus olhos arruam desassossegados pela noite encontrando aqui e acolá a torre de uma igreja. Vejo o casario antigo, baú de recordações tantas, onde reina a lúdica assombração do que viveu. A paisagem impregnada de lembranças conversa com o meu coração, onde me mostra, não só o rosto de belos traços, mas o seu espírito, essencial nessa cadeia sentimental onde me descubro prisioneira. Os pássaros agora dormem nos arvoredos das suas calçadas. Ouço os seus sons, únicos. São seus poetas que declamam nas cantigas do vento que vai e vem num sorrateiro passar pela palavra incensada dos seus manguezais. A paisagem “carregadinha” de barcos nos leva a devanear pelas métricas de versos inacabados. Sim, porque nunca chegará o cansaço de fazer odes a essa terra molhada pelas várzeas dos seus rios. Pelo mar.
Caminho sobre os trilhos dos velhos bondes rememorando o que não cheguei a conhecer, mas que me dão uma saudade do que poderia ser, se estivessem circulando, enchendo ainda mais as ruas de história. A insensatez dos que desprezam a tradição acabaram com os bondes e com parte da história de uma cidade transbordante de vida. Que desperdício! Quisera eu ter vivido esse tempo. Ter sido uma daquelas elegantes mulheres do antigamente, enfeitando as calçadas com seus visuais, guardada no resquício da memória de épocas findas. Fotografo com a emoção da primeira vez esse lugar abençoado confidente das minhas descobertas. Transito entre os prédios antigos e suas histórias.
Cascavilho-me em pensamentos indescritíveis lembro-me das conversas sobre os antigos cabarés alí instalados e penso no tanto de amor que se espalhara por suas ruas e becos e antigos sobrados sonolentos, à sombra de saudades tantas. Mesmo sem poder materializar o tempo, entre tantos poetas, escuto Manoel Bandeira falar do Recife bom. E o bairro do Recife, seria o bairro do pecado? Ai, quantos gemidos de gozo e luxúria não estão impregnando suas noites! Ascenso sentado à margem do Capibaribe, com seu chapelão cantando versos ao rio que dizem: O rio soturno,/tremendo de frio,/com os dentes batendo/nas pedras do cais,/tomado de susto/sem poder falar... E Brennand com o seu marco apontando para o céu imortaliza-se ainda em vida...
Tarde da noite, portas fechadas guardando relíquias. Burburinhos nas ruas. Músicas nos vários bares, onde, lotados de gente feliz, esparramam-se de alegrias movidas a cervejas e algazarras dos jovens, que sequer imaginam a minha nostalgia e a ninguém perguntam pela história da cidade, muitos, sequer sabem o que quer dizer o seu nome. O seu crepúsculo fala-me de um amor gerado no ventre da sua poesia. Amo o seu céu mesmo quando está nublado reservando-se em descrições nostálgicas. Ao sol, é o mais belo que já vi neste mundo. Sou parte pequena desse cenário encantado e para encobrir o pranto que quebra meu coração e molha a minha alma, consciente da minha fragilidade, tento encontrar a alegria da cidade nas músicas que agitam a noite e na poesia do hino que lhe foi feito. Tecida de claridade / Recife sonha ao luar / Lendária e heroica cidade, / Plantada à beira-mar.
Não me poupo da emoção. Para quê?