Meus Complexos e Traumas em Cinco Atos (Bullying) - Por SILVA NETO

Meus Complexos e Traumas em Cinco Atos (Bullying) - Por SILVA NETO

Meus Complexos e Traumas em Cinco Atos (Bullying) 

 Por SILVA NETO

 

QUINTO ATO:

...Continuação

...No início do ano seguinte meu pai chegou de São Paulo. Eu havia terminado o Segundo Ano do Curso Técnico em Contabilidade. Foi grande a alegria dos familiares. Ele havia construído uma casa e veio buscar todos, até os casados se quisessem ir. Eu não me entusiasmei muito porque estava gostando da vida que levava. Tinha que tomar uma decisão. Se ficasse iria para o Recife morar com minha irmã. Nada mal, pensava!  

Mas, meu pai falou-me do desenvolvimento de São Paulo, dos muitos empregos e oportunidade de crescimento profissional que lá oferecia. Com o estudo que tinha poderia arranjar um bom emprego e fazer minha vida. Pensei! Pensei! Aceitando viajar, mesmo porque se não gostasse voltaria, sem dúvida!

Viajamos de ônibus para São Paulo: meu pai, minha mãe, minha irmã mais nova, meu irmão mais velho, sua esposa e uma filhinha de nove meses. Ficaram outros dois irmãos casados e dois irmãos solteiros. Parecia que não mais chegaria à cidade de Embu das Artes onde íamos morar. Longa estrada rompendo Estados do Nordeste e do Sudeste noite e dia, finalmente, chegamos a Embu das Artes. Levei todos os documentos e fichas de conclusão escolar para dar continuidade aos estudos, se ficasse lá. Na semana seguinte, indicado por um amigo do meu pai, fui a uma indústria perto de casa em busca de emprego. Informaram-me que havia vaga para o setor administrativo e, mesmo sendo tímido, não podia perder aquela oportunidade. Mas, quando me aproximei da portaria daquela Empresa, as pernas tremeram. Era a primeira vez que me dirigia a estranhos, em São Paulo. Não sabia se seria bem recebido com aquele sotaque carregado de nordestino do interior, além do mais, baixinho. Tentei falar, mais a voz não saiu. O guarda perguntou: — O que realmente você quer? Travei por completo e sair dali com aparência de débil mental, enquanto o guarda balançava a cabeça em sinal de reprovação sem saber como ajudar. Voltando para casa respondi a minha mãe que a vaga havia sido preenchida.

Em outra ocasião, decidir vencer meu complexo de inferioridade, indo até outra indústria, cheio de confiança. Havia escrito um monte de besteiras ao meu respeito, rasgado e jogado no lixo, como fazia antes, para criar coragem. Quando fazia isso melhorava minha autoconfiança. Outra decepção! Cheguei até a falar, mas, não me expressando direito o guarda ficou sem entender a que vaga eu poderia me candidatar. Voltei louco para casa com vontade de morrer. Já estava pensando em voltar para Pernambuco quando, movido pelas  broncas de meu pai e de conselhos de minha mãe, ganhei forças e fui à outra indústria. Há certa distância quis voltar, suava frio, não era o frio de São Paulo, e sim, ocasionado pelos meus complexos e traumas. Qual não foi a surpresa, o vigia sai de sua cabine e estampa um sorriso até às orelhas: — Pernambuco!!!Pernambuco!!!   Fiquei estático. Ele caminhava em minha direção querendo me abraçar e me perguntou: — É de Pernambuco, ou não é? Pelo sotaque dele percebi que também era. Então, perguntei-lhe: — O Senhor é de onde? — Sou de Caruaru, amigo, e você? — Sou de Catende. Ah! Conheço a Usina Catende, meu pai trabalhou lá. — Veio atrás de emprego? —Sim, tem vaga?— Você faz o quê? — Bem! Eu queria alguma coisa na área administrativa. —Vou levar você ao Departamento do Pessoal..., tem uns rapazes que entraram agora mesmo para fazer teste. Obrigado! Disse-lhe. Não sei, até hoje, como aquele vigia me identificou. Mas, como não identificar pelo meu biótipo de nordestino?! Baixinho, troncudo, pele queimada do sol, cabeça chata enterrada até o pescoço, eis os traços típicos do nordestino legítimo. Impressionante mesmo era ele saber que eu era de Pernambuco. Senti-me aliviado enquanto me levava e apresentava-me à Psicóloga. Lá estavam uns vinte rapazes e moças em uma sala para fazer o teste.  Ficaram impressionados comigo por ter vindo do interior de Pernambuco e ter respondido todas as questões de português e de matemática sem erros, inclusive a redação. Perguntaram-me: — Onde você estudou rapaz? Estufei o peito, todo orgulhoso,  e disse-lhes, no Colégio Diocesano de Garanhuns. Admitiram, mesmo sem conhecer o famoso Colégio. A vaga era minha. Em seguida levaram-me a sala do gerente do DP para ajustar salário. O gerente perguntou: — Qual a sua pretensão salarial?  Havia deixado em branco o espaço de salário pretendido. Disse-lhe: — Venho do interior de Pernambuco, não tenho ideia de quanto pagam aqui. Ele disse-me: — inicialmente a empresa paga para a função de Auxiliar de Contabilidade, R$500,00, interessa? Eu que ganhava R$104,80 (Salário mínimo pago no interior de Pernambuco) aceitei de cara.

Voltei para casa, eufórico, louco para dar a notícia aos meus pais e irmãos. Aquele salário dava para eu pagar a escola, comprar meus “cavalos de aços” e ainda ajudar em casa. Não dava mais para pensar em voltar para Pernambuco, pensava.

Naquele emprego não cheguei a terminar a experiência de noventa dias, fui dispensado.

Até que fazia o trabalho direito, muito organizado, porém pecava no item comunicação. Passei dois meses e meio e só falava duas frases por dia. Bom dia na chegada e até amanhã na despedida. Meu chefe sequer alertou-me sobre minha falta de comunicação, ou comunicou à psicóloga sobre minha timidez. Foi logo pedindo a minha substituição ao Departamento do Pessoal, sendo comunicado à psicóloga tardiamente. Ela até que tentou contornar entre os chefes, porém, era tarde, estava dispensado mesmo.  Sai chorando até em casa. Não conseguia entender aquilo. Pensava que trabalhando e cumprindo com minha obrigação era o essencial. Não era mesmo, porque comunicação está em primeiro lugar em uma empresa. Quando o empregado não se comunica pode até causar um prejuízo à empresa, além de prejudicar-se. Foi o meu caso.

Logo estaria empregado novamente. Mesmo não tendo experiência, meu currículo de bom aluno fazia a diferença na hora do teste. Só faltava corrigir-me desse defeito terrível de complexo de inferioridade que me perseguia há tanto tempo. O emprego seguinte foi bem melhor, encontrei um pernambucano no mesmo setor. Ficou mais fácil dividir o peso dos apelidos e das brincadeiras tiradas com os nordestinos. Além do mais, à medida que o tempo passava ambientava-me com o linguajar paulista, pegando aos poucos o sotaque local. Era engraçado isso, em vez deles pegarem nosso sotaque nós é que tínhamos de pegar o sotaque deles, como que o idioma falado corretamente só fosse o de São Paulo. Seis meses depois já estava falando “paulistanês”.

Dias depois, matriculei-me na Escola Técnica Comercial do Embu, para o curso de contabilidade. Pediram-me os documentos e eu estava com todos em mãos. Ficaram impressionados com as minhas notas contidas nas fichas modelos 18 e 19 (conclusão do primeiro e segundo grau) da época. Apesar de ter estudado dois anos em Catende, no Curso Técnico de Contabilidade, solicitaram-me um teste de avaliação para poder entrar no curso. Fiz o teste e obtive excelentes notas. Mesmo assim, tive que repetir todo o curso a partir do primeiro ano, num total de três, porque a Escola Técnica de Contabilidade de Catende não era reconhecida pelo MEC.

No primeiro dia de aula foi o meu suplício. Cheguei um pouco atrasado na primeira aula de português porque estava na Secretaria entregando documentos. A coordenadora levou-me até a sala de aula, apresentando-me à Professora Leny Gregório: — Este é o mais novo aluno, dizia ela. Cabisbaixo, dei boa noite, falando baixinho, sentando-me na primeira fila. A professora pediu-me para levantar e apresentar-me para meus novos colegas de classe, acrescentando: — Diga seu nome e de onde veio virado para os colegas. Aquilo foi um suplício para um tímido como eu. Postei-me de pé, com o rosto vermelho de vergonha, fiquei frente a eles e disse-lhes: — Meu nome é João Bezerra da Silva Neto, venho de Catende, interior de Pernambuco. Perfeito! Se não fosse o sotaque carregado de caboclo do interior, nada mal.  Os rapazes e moças caíram na risada enquanto a professora pedia, com ar de riso também para  acalmarem os ânimos. Eu percebi, uma moça que estava sentada ao meu lado, não havia achado graça nenhuma. Achei estranho! Era uma moça muito bonita, loira, olhos azuis, grandes, nariz perfeito, pele avermelhada, com o ar de filha de ricos. A professora aproveitou para integrar o grupo naquela primeira aula fazendo a leitura de um texto longo, onde cada aluno lia um parágrafo, enquanto o outro continuava em seguida. A leitura servia para testar o regionalismo existente, naquela classe, composta de  paulistas, gaúchos, curitibanos,  goianos, mineiros, baianos, paraibanos, e, agora, eu,  pernambucano. Uma verdadeira Torre de Babel de sotaques estranhos e engraçados. A leitura foi a mais divertida que já ouvir se não fossem meus complexos e traumas. Achava ser atribuído somente a mim o motivo daquela leitura. Pedia a Deus que a aula terminasse  e não chegasse minha vez. Não deu certo! Chegou! Ao ler, os colegas que já estavam se esbaldando de rir, caíram numa gargalhada tão sem controle que a professora teve que suspender a leitura, sorrindo também. Achava que todos estavam rindo de mim não só pelo meu sotaque, como pelo meu tamanho e jeito de caipira do interior. É! Complexado é assim: achamos que todos enxergam nossos defeitos os mais íntimos possíveis.

A colega ao lado, riu, mas, ponderadamente. Quando a leitura tinha sido suspensa ela olhou para mim e disse-me: — quero falar com você quando a aula acabar posso?  Afirmei que sim. Fiquei apreensivo! Alguma coisa dizia-me que ela queria me prevenir de alguma coisa, não sabia o quê.      

Ao terminar à  aula, ela aproximou-se de mim e saímos juntos do Colégio em direção à praça. Chamava-se Leila. Morava na avenida principal, não me recordo o nome, enquanto eu, num Bairro próximo, no Alto do Cruzeiro. Dava para ir a pé. Caminhamos além da Praça até uma igreja velha, com  enorme calçada à frente, bem iluminada. Paramos ali. Já havia nos apresentados e pelas primeiras conversas tratava-se de uma pessoa maravilhosa. Não fazia críticas ao meu sotaque porque sabia que eu estava ali há pouco tempo, nem à minha estatura. Eu me postava bem educado, demonstrando boa linguagem, enquanto ela me deixava à vontade para falar de minhas origens, os colégios por onde passei... Na verdade, ela estava fazendo a vez de uma psicóloga ao notar minha timidez. Ouvia e fazia perguntas interessantes ao meu respeito como se tivesse pressa em me conhecer e solucionar meu problema de  timidez. Ao final, ela diz. Vou sanar o seu problema. Vou lhe ajudar.  Você é muito tímido, complexado, sem razão de ser. Você é bem melhor do que muitos homens altos que conheci. Já transastes com alguma mulher? Fiquei engasgado ao que ela completou, não! A pergunta foi impactante e eu fiquei entre o medo de ser mal interpretado se falasse a verdade e de não ser verdadeiro. A mentira poderia me comprometer se dissesse que sim. Todos os indícios diziam que eu era virgem, cavalo velho de vinte e um anos, embora não tivesse jeito nem tendências homossexuais, dava  pra perceber que nunca havia sequer namorado.

À medida que o tempo passava eu ia me soltando tanto no novo emprego como no Colégio, nossa amizade crescendo e descobrindo nela muitas afinidades, como:  mesma idade que eu, exatamente nascida no mesmo dia do mês e da semana. A única diferença era a hora. Ela nasceu pela manhã, eu à tarde.  Ela era dinâmica, eu um pouco lento. E bota lentidão nisso! Alma de nordestino, caboclo indígena, o que queriam?! Só que ela me compreendia e só não namoramos porque eu era complexado e achava-me muito inferior a ela. Mas, ela me ensinou muitas coisas, abriu minha cabeça e até arranjou uma namorada para mim, sua prima pobre, mais tarde.

Foi muito bom o período escolar naquele colégio. A professora Leny ficou marcada na minha memória. Além de bonita, descendente de italianos, tinha um carinho especial por mim e eu por ela. Conquistei-a quando tirei dez por duas vezes em redação e fiz diversos trabalhos comentando sobre filmes assistidos, onde ela nos levava a assistir uma vez por mês e fazer trabalhos valendo nota. Ela dizia que eu era muito criativo e imaginativo e que deveria ser escritor no futuro. Meu problema de timidez era tanto que, ultimamente é que  me dei conta disso, tentando sê-lo. “Lembro-me de um filme que assistimos juntinhos eu e a Leila... Nunca esqueci! “Houve uma vez um verão” ou no original “Summer Of. 1942”, de Robert Mulligan, 1971 EUA”.

Fico com o enredo da versão em português: “Era uma vez um verão” “que conta a história de amor entre dois jovens que vivem realidades bem distintas: Ele morava em bairro pobre e ela, moça rica, morava em avenida. Os dois se conhecem em campo neutro e acabam se apaixonando. Juntos, os dois experimentam as alegrias, emoções e dificuldades de viver um amor tão grande quanto improvável, provocando reações numa sociedade que se revela tomadas por preconceitos velados”.

Na minha cabeça vivia isso com Leila, e vivi, quando criança a mesma situação com Raquel.

“Na conclusão do curso fizemos uma grande festa de formatura, na Estância dos 500”, famoso Restaurante no Embu, SP. Eu pude esnobar meu terno de xadrez e calça de listas grossas boca sino, iguais àquela figura cômica interpretado por Luiz Gustavo em Elas por Elas, Rede Globo, 1982, chamado de “Mário Fofoca”, acompanhado de sapatos “cavalo de aço” e tudo o mais que tinha direito. Estava um “charm”.

Há três anos em São Paulo, nuca tirava férias no trabalho. Preferia vendê-las para render mais uns trocados. Já havia tirado carta de habilitação e tinha um fusquinha 68 cor de café com leite. Agora era hora de arranjar uma namorada de verdade, foi quando a priminha pobre apareceu. A Leila havia entregado sua prima pobre de bandeja. Na certa falou como eu era tímido e que precisaria de uma força.

Isabel era uma menina nova, aos dezessete anos, mas, esperta e vivida. Eu, aos vinte e três, estava aquém dela em matéria de namoro. Como tinha um carro podia me soltar mais, porque além de namorar dentro do carro, como a época permitia, poderia passear livremente aos Domingos com ela. Sexo nem pensar! Era tímido demais. Até que um dia, após alguns treinos debaixo dos pés de laranjas na chácara de seu pai, criei coragem. A experiência valeu e aprendi o ofício rapidamente. Mais dois anos, namoro acabado, retorno para Pernambuco, meu Estado natal.

Meus complexos não foram sanados por completo.  Ficaram alguns resquícios, tanto que, ao me casar, cortei o salto do sapato de minha noiva, hoje esposa,  para não ficar mais baixo que ela na foto de casamento. Ela já havia provado o vestido, calçando aqueles sapatos de saltos enormes. Faltavam dois dias para  o casamento. Ela levou todo o enxoval para casa de minha irmã, onde eu morava. Os noivos sairiam dali para a Igreja.

Busquei seus sapatos, escondidos, levei até um Sapateiro, efetuando o serviço com precisão. Degolei os saltos cinco centímetros menores.

Na hora em que a Noiva se vestia o vestido arrastava ao chão. Minha irmã, a costureira, estava perplexa! Como podia aquele vestido ter crescido depois da prova?!

Até que olhou os sapatos, encontrando neles a prova do crime. Quem?!... Quem teria sido o autor?!

Sobrou para mim, único suspeito! E que suspeito! Baixinho, do tamanho da Noiva!

Pelo esforço que fiz cresci uns quatro centímetros a mais, ficando, adulto com um metro e cinquenta e seus centímetros, sendo complementados para um metro e sessenta com saltos e palmilhas ortopédicas, para ficar da altura de um homem, conforme meu avô falava: “Um homem deve ter no mínimo um metro e sessenta de altura”.

Escrito no Feriadão de Carnaval  de 2013.

PS:

Este relato não vale como biografia. Tem por finalidade mostrar aos educadores o que passa na cabeça das crianças sem que sejam percebidos seus complexos e traumas, e os estragos decorrentes desse problema de complexos de inferioridade adquiridos através de “bullyings”.

Em mim, deixaram feridas irremovíveis. Mesmo lutando com minhas próprias forças, perdi mais de cinquenta por cento de meu aproveitamento normal. Graças à D. Deolinda de Lucena, minha fada madrinha, que Deus a tenha, com todas as boas intenções de me fazer padre, colocando-me em bons colégios, tive o discernimento de lutar quase sozinho, sem  psicólogos, para ter hoje o equilíbrio emocional que tenho.

 

João Bezerra da SILVA NETO - COLUNISTA DO DIVULGA/ESCRITOR

e-mail: João.digicon@gmail.com

 

 

 

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