Meus Complexos e Traumas em Cinco Atos(Bullying) – Por SILVA NETO
TERCEIRO ATO:
...Continuação
...Aos dezessete anos e seis meses fui alistar-me no exército. Era preciso servir à pátria, mesmo sabendo que seria (talvez) dispensado porque era interno em uma instituição religiosa (Mosteiro de São Bento) ou, porque era pequeno demais para o serviço militar. Jogava bola, fazia exercícios e tinha apenas um metro e cinquenta e dois de altura e quarenta e oito quilos. Para meu desespero um dos padres da Ordem levou-me até o Quartel.
Não esperava passar por tantos constrangimentos naquele dia.
Ao chegar ao Quartel, mandara-me a um galpão para tirar a roupa. Eles precisavam medir-me, pesar-me e vistoriar meu corpo se não havia deficiências ou problema de pele. Pensava que ficava só de cueca, o instrutor, com voz alta e grossa, disse: _ Tira a cueca, baixinho! Eu já estava entendendo, pois, à minha frente encontravam-se mais de duzentos rapazes “nus em pelo”, homenzarrões de mais de um metro e oitenta de altura, aguardavam em fila até serem chamados para pesar e medir. Em sala ao lado estava o Enfermeiro, a Balança, outro Instrutor, alguns tenentes e o Major da Corporação.
O padre que me levou ficou ao lado do Major, conversando e, mesmo convivendo com ele no Mosteiro, morria de vergonha se ele me visse nu. E agora! Ao me chamar senti calafrios, a vista ficou embaçada, os músculos enrijecidos, mal podia andar ou falar. Subi na balança, a pedido do Enfermeiro, para os procedimentos de pesagem e medida, tudo anotado em uma ficha. Como estaria acontecendo aquilo comigo?! Porém, era rotina. Segui para o galpão para vestir-me e esperar o veredito. Ao me chamar, o Major observando minha ficha disse em voz alta_ Muito bem, jovem, você na vida pode ser Doutor, Engenheiro, Professor, Padre, Comerciante, porém militar, cresça e apareça. Olhou de lado para o Padre com um sorriso sarcástico ao que o Padre fez um sorriso de compaixão. Em seguida acrescentou: — Quer servir? Mando fazer uns coturnos iguais a esses “Cavalos de Aço” que esses malucos hippies estão usando, disparou uma gargalhada acompanhada dos tenentes, e eu, ali, humilhado, quase chorando. Ao final, disse-me que poderia pegar minha dispensa quatro dias depois. Ao retornar para apanhar o documento tive mais raiva ainda. Colocaram: “Dispensado do Serviço Militar por Insuficiência Física” Com essa derrotei-me! Já não tinha onde colocar tanto complexo. Por acaso eu era deficiente? Aleijado? Deformado? Achava-me, embora pequeno, todo por igual. Meus braços, minhas pernas eram normais tudo proporcional ao meu tamanho. Qual a deficiência além de ser pequeno, se pequenez fosse defeito físico?! Implorava! — Meu Deus, o que fazer!?
Aos dezoito anos terminei o segundo grau científico além de um curso clássico acha que só existente naquele Colégio. Precisava sair do Mosteiro de Garanhuns, onde era interno, porque não comportava estudos avançados de teologia naquela Instituição Religiosa. Teria que ir para o Mosteiro de São Bento em Olinda continuar os estudos, mas antes, segundo nova orientação da Igreja, provar minha vocação à vida religiosa. O processo se dava da seguinte maneira: O jovem saía do Mosteiro e voltava à casa dos pais. Lá, fazia vestibular para qualquer área de sua preferência, estudava, trabalhava, convivia com o mundo fora e sentia se tinha ou não vocação para o sacerdócio. Se resolvesse voltar seria aceito de bom grado na Ordem, porém, em uma Ordem Superior como a descrita antes.
Assim, deixei o Seminário aos dezoito anos, segundo grau concluído, bom currículo e voltei para Catende, cidade que me adotou criança e adolescente...
Enfim, retornei ao convívio da família.
Em Catende não havia curso superior, somente escolas de segundo grau e cursos técnicos. Parar de estudar não seria bom, por isso matriculei-me numa Escola Técnica de Contabilidade, onde cursei dois anos. Precisava urgentemente diversificar, arejar as ideias, desopilar, tirar da cabeça aquela rotina do Mosteiro.
Era, além de tímido, muito ingênuo, um verdadeiro carneirinho. Muito educado, não falava gírias, palavrões, pornografias e nem tampouco bebia ou fumava, vício zero. Não sabia dançar e namorada nunca havia tido, a não ser aquela paixão infantil que marcou minha vida. Eram muitas garotas querendo namorar comigo, principalmente porque era ex-seminarista e desconhecido na cidadezinha. Muito tímido e baixinho, não tinha o direito de ser exigente, porém, na minha cabeça só existia Raquel. Ela era de beleza superior a todas do lugar. Rosto lindo, olhos, cabelos, sorriso, pele, corpo, feminilidade, graciosidade tudo natural. Não encontrava mulher que superasse sua beleza na juventude, por isso, não aceitava namorar outra em Catende. Mas precisava quebrar a timidez e, quem sabe, na escola técnica, não aparecia alguém? Jogava bem futebol mesmo sendo baixinho, fazia disso um motivo para melhorar minha ambientação e conhecer pessoas. Ganhei alguns apelidos engraçados: Cuíca, Padrito, Pingo, Sulfito, João Bombinho, Juanito... Embora ditos pelos colegas em tom de brincadeira, mas, para mim, interiormente carregava o peso daqueles apelidos desde criança como um marco em minha vida.
Havia dois Clubes famosos na Cidade: O Aero Clube, social elitizado, e o Leão XIII Futebol Clube, popular futebolístico, pertencente à Usina Catende. Optei pelo Leão XIII, onde fiz carteirinha de sócio para poder jogar pingue-pongue, bilhar, dominó, cartas, gamão e ter desconto em festas na sua Sede. Porém, dava preferência à Biblioteca Municipal. Além de gostar de ler, era lá que sentia o cheiro do perfume de Raquel, impregnado naquele ambiente. Era raro encontrá-la na Biblioteca porque olhava a assinatura dela no Livro de Retirada de Empréstimo. Marcava o dia em que seria o livro devolvido, não comparecendo à Biblioteca naquele dia para não dar de cara com ela, só por timidez.
Às quintas-feiras, o comércio fechava, abrindo normalmente aos Domingos. Era assim toda semana, não que fosse feriado, mas, parecia. Mesmo tendo aula nas escolas, o movimento na Cidade diminuía e as atrações eram constantes naqueles dias. Ora, um time de futebol de fora vinha jogar contra o Leão XIII, ora, um novo Circo aparecia na Cidade, ora uma vaquejada, sem contar com os assustados (festinhas surpresas de jovens para ouvirem músicas e dançarem) e bailes nos clubes sociais à noite. Os alunos queimavam as aulas, os professores “farrapavam” na sua maioria e os alunos como eu, que gostavam de estudar, éramos todos arrastados pela maioria. Muitas vezes aproveitava para ler o livro tomado emprestado da Biblioteca. Caminhava até o Engenho Monte Alegre, onde morava Raquel, com muito cuidado para não a encontrar na estrada que ligava o Engenho à Cidade, subia o morro onde tinha um cruzeiro e um enorme pé de cajá. De lá, ficava observando o canavial à distância, a Usina de Açúcar jorrando fumaça pelas chaminés, as locomotivas serpenteando os trilhos transportando a cana para o paiol e, sobretudo, olhando o movimento na casa de Raquel que ficava a uns quinhentos metros de distância. Sonhava, delirava, escutando ao longe as músicas de Jerry Adriani, Nelson Gonçalves, Dalva de Oliveira, Roberto Carlos e outros cancioneiros da época, no sistema de som da Cidade. Levava papel e caneta além do livro, escrevendo lindas poesias. O tema, não é necessário dizer... Muitas vezes escrevia me xingando quando não tinha coragem de enfrentar uma situação. Esbravejava nomes feios, todo tipo de impropérios contra mim mesmo e depois rasgava o papel em minuciosos pedaços jogando fora para ninguém ler. Esse processo ajudou-me bastante, mesmo porque precisava fazer coisas que nunca havia feito ou desconhecia pela educação fechada que tive no Mosteiro. Sentia uma espécie de inveja dos amigos mesmo pela linguagem deles, as gírias, a facilidade em consegui namoradas novas, enquanto eu era travado. Eles falavam-me: — João, tu precisas namorar, expandir, abrir tua cabeça para as coisas. —Há tantas garotas querendo te namorar! — Por que não aproveitas? — Tu nunca conheceste uma mulher?
Na cidade havia um recinto de mulheres perdidas. Raparigas mesmo como chamavam aquelas que vendiam o corpo, dignas de compaixão. Todas, naturalmente de outras cidades que aportavam ali, sendo expulsas de casa pelos pais quando engravidavam. Os filhos ficavam nas casas dos pais e elas fugiam para ganharem a vida.
Meus colegas brincavam muito comigo por não ter conhecido uma mulher ainda. Certo dia juntaram uns quatro amigos e aprontaram uma boa comigo. Estava percebendo que eles se preocupavam muito com a minha, digamos donzelice. Já com dezenove anos e nunca tinha conhecido uma mulher, enquanto eles!... Depois de muita conversa em uma mesa de bar, eles me levaram, sem me dizer para onde, ao inferninho das mulheres. Confesso, não sabia que ali existia bordel. Era um verdadeiro carneirinho. Lá chegando, percebi, quis voltar, mas os colegas diziam: — Padrito, não vai me decepcionar agora que estamos aqui?! Eu era pequeno e tinha a cara de menino, tanto que aos entrar o porteiro me pediu a identidade para ver se tinha mais de dezoito anos. Permaneci ali, e eles cuidaram de me fazer beber cerveja para criar coragem. Meu copo não parava vazio, eles sempre completando quando chegava ao meio. Pensavam que eu já estava (alto) ou de pileque, quando perceberam debaixo da mesa naquele recinto escuro, o chão todo molhado. Não havia me urinado de medo, é claro! É que aproveitava a empolgação deles para baixar a mão por debaixo da mesa e derramar a cerveja que eles colocavam no meu copo. Enquanto isso as mulheres rebolavam no palco, com aquelas roupas indecentes. Havia uma loira entre elas, talvez a mais nova que tinha cabelos longos lisos e rosto afilado. Lembrava Raquel. Era bonita de rosto e tinha um corpinho de violão. Nesta hora, os meninos haviam reclamados porque tinha jogado a cerveja fora, e como castigo teria que entrar no camarim da rapariga para fazer sexo. Pegaram-me pelo braço e levaram-me até aquela loirinha de quem não tirava os olhos. Ofereceram-me a ela de bandeja aquele homenzarrão de um metro e meio, deixando-me encabulado e totalmente entregue para o consumo.
Ela me levou ao seu camarim e me jogou na cama, ainda rebolando embalada pela música contagiante que tocava lá fora. Eu não sabia o que fazer, ali, em frente aquela linda mulher que se despia aos poucos. De repente solta a parte de cima, até então quase solta e ajoelha-se á minha frente, segurando a fivela do meu cinturão para despir-me quando, seguro ao seu ombro, olho bem dentro de seus olhos claros e disse-lhe: — Por que você faz isto?! — Uma moça tão bonita, tão cheia de vida, podia arranjar um emprego decente em uma loja e ganhar dinheiro honestamente! Mal terminei a frase ela põe-se de pé e disse-me: — Você fala igual ao meu pai!...,— Saia daqui imediatamente! — Vá embora baixinho! —“Tamborete de zona”! — Desapareça daqui! Eu fiquei estático sem sabe o que fazer e fui me retirando quando ela diz: — volte e me pague, senão farei um grande escândalo! Coloquei a mão do bolso, sem olhar, tirei uma nota, a mais alta que tinha, entreguei e sair disfarçado. Ao sair do Camarim, os amigos, (mui amigos!) sem saberem o que tinha ocorrido, fizeram tremenda algazarra, aplaudindo-me, jogando-me para cima, (claro! Tinha menos de cinquenta quilos). — Fosse rápido, Juanito! _ Padre, não é mais!... Eu fiquei como o maior galanteador de mulheres de zona, para eles.
Continua... No próximo Texto.
João Bezerra da SILVA NETO - COLUNISTA DO DIVULGA/ESCRITOR
e- mail: João.digicon@gmail.com