MINHA MÃEZINHA
Quantas vezes, à noite, ainda criança,
Acordei ouvindo o teu soluçar
Eram suspiros de dor, de desalento e desesperança,
Caindo sobre a velha máquina que ia
As tuas lágrimas a costurar.
Tantas vezes levantei-me na ponta dos pés
E tu nem me vias. Lá ia noite adentro a trabalhar.
E eu ficava ali, sofrendo calada a te olhar.
Eu era só uma criança e nada podia fazer
E na impotência do meu querer
Ficava contigo, de longe, triste a chorar.
Voltava ao meu quarto e em silencio
Na minha inocência e ignorância
Maldizia os anjos e os deuses do infinito
Por terem se esquecido de te guardar
E não se apiedarem do teu sofrer
E sufocava no travesseiro com dor, o martírio do meu grito.
Outras tantas vezes eu vi os teus olhos baixarem
Sobre o prato frio, sofrido e gemido,
E a tua mão cansada e trêmula
Misturar a comida num gesto sem sentido
Perdida na dor da tua agonia de vida
E nem vias que eu te olhava com o meu peito partido.
Tantas vezes me senti culpada
E maldisse a mim e a minha sorte
De saber-me fazedora da grande agonia
De ter meu nascimento causado dor ao teu ventre
E desejei por Deus – como desejei – a minha própria morte.
Cresci e deixando-te, dali parti,
E fui como pude, cuidar um pouco de mim,
E a tua imagem a acompanhar-me cada dia.
Hoje procuro na solidão do tempo
Que grite a ti a força do vento
Que orgulho tenho minha mãe, em saber-te assim tão forte!
E aquela dor que só quem ama assim sente
Grita em mim, ó mãe! Eu mesmo ausente:
- Ser tua filha, carregar nas veias teu sangue, que grande sorte!
Lígia Beltrão