O Choro do Rio
Eu vinha de Coimbra olhando o rio que chorava ao lado da estrada. Um ano atrás ele corria desembalado dando gargalhadas e quebrando-se aqui e acolá, cheio de vida. Era inverno e as águas jorravam felizes pelo leito e sequer sentiam as pedras pelo caminho. O verão chegou secando o chão e deixando o rio com uma lágrima de dor a correr em direção ao coração do mundo. As pedras saltavam aos meus olhos e já podia, em alguns trechos, ver o fundo daquele rio que passava suspirando triste e silencioso, sem forças para correr livre, para os braços do que o acolheria ao fim da caminhada.
As serras observavam a cena, despidas do verde que costumavam vestir, e em alguns pontos tinham as vestes rasgadas pelas mãos do tempo que despiam suas madeiras sem dó, ajudados pelo sol que queimava a secura dos seus galhos. Quando não cheiravam a cinzas, devido aos fogos que a fizeram arder em chamas vermelhas e cruéis.
Meus olhos perderam-se na paisagem e meu coração doeu. O rio estava secando com a dor quente dos dias sufocantes. Apesar de a paisagem continuar bela. Meus olhos buscaram as flores costumeiras, mas nada encontraram. A primavera estava adormecida embaixo dos lençóis dos dias. Eu seguia pensando quanta dor aquele rio não sentia? De majestoso passa a ser um fio de água a correr sem forças pra lavar as margens como costuma fazer.
Não podia tirar os olhos daquele cenário distorcido pela secura do tempo e olhava as casas fincadas naquelas margens com uma plantação morrendo de sede. Era inusitada esta imagem desprovida do poder habitual e que eu tanto admirava. O que era majestoso, mais parecia agora, um pequeno ribeiro a clamar aos céus misericórdia. Canção triste do vento a espalhar solidão num murmúrio sentido.
Lembro-me do rio da minha infância e da sua canção de alegria. Não sei mais notícias dele. Vive só em minhas memórias e no meu coração. Assim comparo-os e sofro ao ver que este rio morre lentamente. Desejo ardentemente que o meu ainda esteja vivo e barulhento, despencando das pedras e seguindo imponente. Volto meus pensamentos àquele fio que corre desolado sem forças para continuar. Em meu íntimo falo com ele, na esperança que me escute e reaja.
Levo nos olhos úmidos a tristeza do seu existir. A gargalhada do rio transformara-se numa lágrima, a correr para o nada. Só. Até que a chuva molhe o tempo e as montanhas chorem de alegria para que as suas águas renasçam naquele caminho de pedras. Recosto a cabeça no descanso do banco e fecho os olhos para não registrar mais imagens de desolação.
Logo tudo se cobrirá novamente de verde e de flores do campo. Os pássaros cantarão agora felizes e não mais entoarão um cântico triste. A relva vestirá o chão, e o dia, em silencio, fará a mágica do recomeçar. O rio Mondego, este rio que se transformou em uma lágrima haverá de correr e desdobrar-se em gargalhadas outra vez. Hei de esperar o milagre do renascimento. Acredito nele.
Lígia Beltrão
27/09/2016