O Homem da Praça
Eu tomava o meu café com torradas tranquilamente. Olhava a praça através do vidro, encantada com o burburinho dos pássaros que zoavam do tempo voando livres por todos os lados, quando de repente ele surge. Anda devagar como se nada procurasse. Olha para os lados sem preocupação. Passeia com as mãos escondidas nos bolsos como se não tivesse o que segurar ou aonde pousá-las. Olha os pássaros e sorri... Um sorriso tímido e meigo onde vejo que lhe faltam dentes. Olha para todos os lados sem desmanchar aquele sorriso, que de repente iluminou o seu rosto. É um homem simples e magro, meia estatura, cabelo liso e solto ao vento frio de uma manhã de sol tímido, encoberto pelas nuvens embranquecidas da idade, anda sem pressa, procurando, não se sabe o quê. Cumprimenta alguém com um aceno de cabeça, e seu sorriso aumenta à medida que é notado pelos outros. Alegria estampada no rosto, já não é um anônimo no meio de uma praça, mas um homem.
Alguém chega perto e o cumprimenta com um aperto de mão caloroso. Ele rende-se ao cumprimento com satisfação e agora se sentam os dois a conversarem alegremente. Encontrou companhia para a sua solidão escancarada. Que idade teria? Não dá para dizer assim, só de olhar, mas deve estar beirando os setenta. Vai ver já é aposentado. Viveu bonanças e tempestades. Escolheu pela vida a fora e foi escolhido por ela para viver a sua própria história. O que guardará dentro de si? Saudades? Sonhos? Ainda os terá? – Pergunto a mim mesma numa aguçada curiosidade de quem quer bisbilhotar o interior de um ser -, indiferente aos que passam ou o observam ele agora conversa animadamente com o seu companheiro a dividirem o banco da praça.
Fiquei triste por não o conhecer e saber os pormenores da sua vida. Os seus desejos e as suas vontades. Por onde caminhara encoberto por aquelas roupas simples, e em que pensa para o seu amanhecer, ou para o entardecer que se aproxima incauto e misterioso. Estará pronto para despedir-se do tempo, depois de vivê-lo, de caminhar junto com ele? Incógnita. Como terá sido a sua infância? Fora um menino livre a correr pelos prados e montes do lugar, teria aproveitado os rios que passam caudalosos em busca do seu destino murmurando canções de saudades?
Faço-me agora atrevida nos meus pensamentos e pergunto-me se terá tido um amor. Um grande amor para lembrar, quando a dor da partida espreitar pelas brechas da vida e o tempo a começar escoar por entre os seus dedos magros levando-o além da imaginação. Terá companhia nos momentos finais ou ficará largado como mais um que se vai lenta e solitariamente? O tempo trépido o despirá das torturas da vida ou o seguirá audacioso que é a cobrar-lhe propinas por viver?
Rememoro o meu baú, por enquanto fechado com a chave do esquecimento, e comparo-me àquele homem que é só mais um na praça. Vejo-me só e a verter lágrimas de saudade de tudo o que não fui. Escoro-me nas lembranças do que já fui, mas sinto-me impulsionada a desbravar ainda, caminhos desconhecidos, inda que sejam íngremes. Olho-me no espelho que a idade teima em mostrar-me e sigo com os olhos marejados os caminhos desenhados na minha tez. Murmuro em silencio os gritos que não gritei em favor de mim mesma. Fui renúncia. Agora sou saudade querendo ser ainda sonho, quando a realidade teima em me mostrar que os dentes do tempo mastigam sem dó e comem esganados, a vida da gente. Termino o meu café, levanto-me e saio da pastelaria apressadamente. Corro atrás da vida. O homem fica ali, no banco da praça, pois agora só quer descansar. Ele já não tem pressa, enquanto eu tenho toda a pressa de viver...