O INFERNO – aqui tão perto
O dia não amanheceu.
Arde.
As pedras queimam o ar e o mar. Ele, numa quietude rara
reflete o amarelo pardacento de um céu estranho
e ondula devagar…
Desatou-se o fogo.
O mato ateia o mato e nem as árvores
altaneiras
e nem as aves lestas
escapam à fúria trepadora das línguas ateadas…
A chuva,
toda e qualquer água,
desertaram.
E o sol, bola rubra,
vai despejando alguma luz mas,
apesar dela, o demónio galopa cego.
As pessoas deitam-se no chão,
escavam redutos e lambem o que resta da erva.
Vítimas indefesas
quase inertes.
Impossível respirar rente ao chão.
As palavras tornam-se mudas
ou em gritos que irrompem pelos pulmões e o fumo neles.
As veias inundam o coração.
Estoira.
Muitas vezes na solidão.
Como fornalha, o barro seco e gretado de onde vieram, recebe-as quente.
Nem Dante descreveria melhor.
O Inferno.
Conceição Oliveira
In POEMÁRIO 2018, Pastelaria Studios, Outubro 2017