por Maria de Fátima Soares
Quando se vive toda uma vida com um homem, ou o inverso e as formas e as curvas deixaram de o ser, para passar a um amontoado de carne, onde as rugas, vincos e manchas, cobriram a firmeza… Levaram a macieza, cor e atractivos de antes, para não mais voltar? O que é o amor, quando se olha para ele e o coração ainda bate ao recordar-lhe a pujança, mas hoje se tem de lavá-lo como a uma criança. Mudar-lhe fraldas. Limpar as fezes e urina que não segura. Ter atenção a quantos comprimidos toma e às horas a que são administrados?
O que é o amor, quando nós próprios precisamos de sossego e as roupas para lavar se acumulam. Têm de se estender numa corda, para que nos fala a força. O que é quando toda a força que se faz, até para não chorar, nos deixa o corpo partido a pedir socorro mas não lho podemos dar, ou mandamo-lo esperar, porque há quem dependa de nós?
O que é o amor quando não temos alguém que nos ouça, embora fale. Não consiga andar sem auxílio, que possamos ir dar um passeio… Espairecer e apanhar sol. Ver o mar. Ter como casal, o mais, do mais elementar? O amor é um sentimento forte. Arrasador e vibrante. Cheio de nunces e combatente. Resiste, resiste, até quando pode. Se acha que merece lutar-se por ele, mas num dia qualquer, sem poder mais acaba. Ou... Ou...
Transforma-se! Tem de o fazer, quando todos os “ou” são postos em causa. Se percebe que o amor também é amizade, respeito, companhia, lealdade. Fraternidade. Solidariedade! O amor pode tornar-se com o tempo uma gaiola que nos priva de liberdade e reduz à escravidão, mais mórbida. O que há de mais intrigante e nos deixa mais impotentes, que ver o outro com quem lutámos, acompanhámos, soluçámos. Dormimos, amámos, vibrámos! Gememos, ao toque da sua carícia. Estremecemos sob a sua voz, reduzimo-nos sob o encanto do seu olhar… Fenecer lentamente. Perder-se de tudo o que foi?
O amor pode ser uma prisão, onde se fica, porque não há mais sítio para voar e ainda hoje muitos aguentam. Mas de onde a maior parte voa, para conhecer outros “mundos” sem paciência para ficar. E pode ser aquela, onde nos mantemos de vontade própria, porque se pensarmos... O tempo passa! E todos, OU quase todos passaremos por lá.
O que é o amor? È virar as costas ao primeiro arrufo, ao segundo, terceiro. À primeira discussão grave, segunda e seguinte... Ao gesto abrupto, palavra que esbofeteia. À ruga que aparece, carne que descai. Ao movimento que se retesa e prende, mobilidade e jovialidade que se perde, OU é... Permanecer?
O que é o amor quando uma mulher foi tudo uma vida inteira, para um homem, até sua mãe… Tendo sido a mãe dos seus filhos e para além disso, tem de ser enfermeira, psicóloga, geriatra, não o descartando da sua vida entregando-o a um lar adequado, olhando primeiro para si? O que é o amor, mesmo quando as pessoas desistem, porque não aguentam física e mentalmente mais! E não é por não amar que não ficam, mas precisamente por amar, que têm de ir. Deixar o outro melhor, sem si, independentemente do que a sociedade lhes aponta e exige? O que é que se pode dizer OU fazer quando se ama e se quer proteger?!
Quando nos comprometemos com alguém e o elegemos AQUELE ou AQUELA com quem queremos ficar, nunca pensamos nisso. Porquê?! Por que motivo a vida tem de ser tão cruel para quem já padece tanto, para ser condignamente chamado, gente?
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publicado 04/02/2014