O SANTO E O TINHOSO
Andando pelas campinas,
A buscar destino além,
Certo homem, em seu cavalo,
Ia só sem mais ninguém.
Ia num trote prazeroso,
Naquele caminho batido.
Sacudia suas entranhas
E tudo mais ali contido.
A fome se lhe apertou,
Ele abriu seu embornal
E a farinha temperou
Com açúcar e com sal.
Ia comer sua merenda,
Mas sentiu que precisava,
Antes de botar o novo,
Tirar o que lá estava.
Além disso, o velho santo
Nunca, jamais, se esquecia
De rezar agradecendo
O alimento que recebia.
Mas o que fazer primeiro,
Se as três coisas tinham urgência?
Preferiu, de uma só vez
Resolver toda a pendência.
Mas não tinha desconfiado,
Nosso homem de alma pura,
Que estava sendo vigiado
Por uma sinistra figura.
O “Encardido” ao ver o santo
Comendo, “descomendo” e orando,
Com tanta inveja do puro,
Ficou a ele perturbando:
“Em minha vida encardida,
Nunca vi bobeira maior,
Fazer esta três coisas juntas,
Nem sei qual é a pior!
Certamente você caipira,
Nunca saberá explicar,
Nem aqui e nem na China
E nem em outro lugar”.
E o santo, calmamente,
Respondeu a Satanás:
“Eu explico tudo agora
E você me deixe em paz.
Desde cedo eu aprendi
Ser grato e a Deus rezar.
Se você tem inteligência,
Passe agora a escutar:
Eu como para o meu corpo
E rezo pra minha alma
E a terceira coisa que faço,
Vou te dizer com calma:
É um presente que deixo
Pra quem muito isto merece.
É pra ti mesmo, ó capeta,
Aprecia e desaparece”.