O T E M P O
Quando falo de mim, o relógio sempre se faz presente em minhas cavilações. Ele é a minha penitenciaria de segurança máxima, logo, sou o seu prisioneiro. O homem o criou para me dividir, me fracionar, tornar-me diminuto, para assim ter o domínio sobre minha MAJESTADE. Uma caixinha insignificante, que vive pendurada e balançando (os mais usados), brilhando a luz do sol como se fosse um adorno para homens e mulheres; principalmente mulheres que mandam incrustar pedras, pintar de cores variadas para se saberem mais ricas, aquinhoadas pela vida. Relógios têm até “coroa”, revelando uma tendência monárquica.
Nasci com o nosso planeta, há alguns milhões de anos. Não sei se nos outros e também nos astros, estou presente. Milhões são números, anos, são a minha essência. Sem eles, pereço. A bem da verdade eu sou uma maquinação humana. Eles, os homens, começaram do maior para o menor. Séculos, anos, meses, semanas, dias, horas, minutos e segundos. A Formula I inventou a fração de segundo – milésimo - Receio que os homens encerram em si um medo visceral de me perderem, ou seja, de se perderem “NO TEMPO”, numa estrada sem fim, sem retorno. Sem a minha mão para segurar-lhe, são como crianças atravessando a rua sozinhas. Eles perderiam o imo e seguiriam no caminho da imolação universal. O homem sem o “tempo” é como transito na hora do “rush” nas grandes cidades e quando ainda por cima, cai uma tromba d’água acarretando desordem, algazarra, desavenças, caos, produzindo acidentes mortais. O homem ainda não enxergou o tamanho de sua pequenez.
Homem sem marcador de tempo é igual a navio sem bussola; perde o rumo, perde a rota. É supinamente dependente da natureza e suas manifestações. Depende das variações climáticas, das marés, depende da topografia, do tipo de solo, do sol, da noite, do frio e do calor; é um fracote. O que o salva é a inteligência. Os animais, ditos irracionais, não estão nem aí para o tempo ou seus marcadores. De dia vão caçar ou dormir; quando a noite os envolve, vão caçar ou dormir, dependendo da espécie diurna ou noturna.
Às vezes escuto dizer: _o tempo está ruim! o tempo está bom! Não sou nem bom nem ruim. Confundem clima ou suas variações, comigo. No contexto de minha abrangência universal não cabem calor ou frio, seca ou chuvas. Sou intangível e perene. Sou um conceito filosófico, jamais materializado. O vento pesa mais que eu, que estou bem próximo do pensamento. Minha sobrevivência incide no pensamento. Se não o há, não existo. Coexisto com o homem já que sou produto de suas maquinações conceituais. Quando disse que “nasci com o planeta” quis afirmar que a raça humana, para resolver sua necessidade de auto-localização, regrediu na sua imaginação para definir latitude, longitude e avaliação de dia e noite. Quando este dilema foi resolvido, eu nasci, fruto da inteligência do homem.
Ofereço momentos extraordinários para a humanidade comemorar, tais como, datas festivas quando se reúnem para celebrações mundanas. _Te vejo no Natal! Te encontro no São João! São momentos de pura alegria, de jubilo, de encontros e reencontros. Beijos são roubados ou regalados, abraços e amassos acontecem; de vez em quando partem para um “arranca rabo” dos diabos, mas isto é da natureza deles. Continuo marcando. Não paro nunca. Meus passos são absolutamente iguais, nem maiores nem menores. Não posso parar - é a minha natureza. Para os velhinhos, pareço correr demais. É que quanto mais velho, mais vagarosos são seus passos e neste caso eu atropelo. Para eles janeiro é bem pertinho de dezembro. A diferença é que não ando para trás. Doze meses passam num piscar de olhos. Coitado dos velhinhos. Eu não tenho idade, não faço aniversários, nunca fui jovem, nunca vou ser velho. Apenas eterno. Simples assim...
_Lembra, meu amor quando éramos jovens, as sacanagens que fazíamos, só nós dois, naquele recanto de amor e volúpia ?
_Ah! Se lembro meu velho, que tempo bom...
Eles andam montados nas memórias de meu lombo. O que acho impressionante em mim, é que não canso nunca, por mais guerras que hajam ou escaladas que empreendam. Não tenho cheiro nem fedor. Fragrâncias e sabores, são invenções humanas, copiadas de Deus. O homem é tão engenhoso que, não satisfeito com a luz do dia, inventou a luz da noite. Basta dar um peteleco no interruptor e a luz se faz. Como não podem gritar para serem ouvidos na cidade vizinha, inventaram otelefone.Com ele não precisam gritar, ou melhor, tem que falar baixinho, sob pena de estourar o tímpano do amigo.
Tenho um regaço imenso onde acolho todas as estripulias humanas. E são muitas... Algum humano, por acaso ou mesmo por curiosidade, já escutou alguma reclamação minha ? Duvi-d-ó-dó... Ouço tudo e vejo tudo, já que sou onipresente. Não abro a boca para nada no mundo. Sou o templo do silencio, discreto como sonho.
Sou uma entidade com bastante posses, senão vejamos; disponho de alguns vassalos obedientes e fieis, tais como a ferrugem, o salitre pegajoso, a erosão, o assoreamento e tantos outros. Também possuo algumas lojas de departamentos. Cito apenas algumas. Loja de “rugas”, “pelancas”, peitos e barrigas arriadas, que ainda dispõe de pernas finas e conspurcadas. Distribuo peles manchadas e dentes carcomidos. Tenho um considerável estoque de cabelos brancos e de cabeças calvas e carecas. Os hospitais são as oficinas do meu labor silencioso e ininterrupto.
Participo de historias da “carochinha”. Lembram quando liam?_”naquele tempo...” ou ainda, “_era uma vez ‘.
Sou ativo na política quando os empossados afirmam que “_os tempos agora são outros... vamos fazer... – Tudo promessas vãs...
Na historia da humanidade apareço com outro nome. _Na “Era” do homem das cavernas... (Era, sou eu )
Nas periferias das grandes aglomerações minha prisão é movida a corda. Quando não fornecem nova ração de corda àquela coisinha ridícula, as portas do presídio são abertas e eu escapo; vou para bem longe, que é, ao mesmo tempo, bem perto. Percebam que estou lá e ao mesmo tempo, estou aqui. Sou tão simples que me torno abstruso.
Não lembro se já disse que sou indestrutível; nem bomba atômica pode me ferir, nem mesmo arranhar. Super-homem é fichinha na minha frente.
Sou “ O C A R A “.
O tempo, digo, estou passando e o autor precisa ir dormir; ele é velhinho...Anchieta Antunes - Gravatá – 04/03/11