Olhares Molhados
Existo em mais um domingo de chuva. Tão igual a tantos Tão diferente dos mesmos tantos, no antagonismo da vida, do ser, do é, do era e do não ser...
O beijo molhado, sacia a sede do gramado onde a vida foi plantada por ti. Bem verdinho!... Exala o perfume atraente, de terra molhada. Parece feliz e concordar contigo : "A chuva é vida. Vê como as plantas ficam felizes; todas de cabecinha em pé!"
Toda vez que chovia, se repetia a cena. Satisfeito, sorrias. Dizias que Deus criara tudo com perfeição e maestria. Nada te passava despercebido. Vias, o que outros olhos não viam. Vias com a alegria dos olhos do coração. Teu prazer, pelo cenário, contagiava. Teu olhar brilhava. Passeava em círculos. Parecia os rodopios inebriados dos pares, ao som de uma valsa de Choupain.
Cada galho, cada flor, cada folha eram capturados pelas retinas. Em pé, na varanda, sorridente, a cada chuva repetias as mesmas palavras, com entusiasmo, como se as dissesses pela primeira vez.
A chuva, de hoje, repete o ritual de antes. Igual. No entanto, é tão diferente. Tão vazia. Tão muda. Tão fria.
Tão ... tão sem sentido. Tão sem vida!...
Apesar do verde tremular da grama, ao toque da chuva, hoje, não se repetem as palavras. A boca emudeceu. Não vejo mais um par de olhos esmiuçando alegria ao contemplar a vida que brota do chão. O prazer do sorriso se fechou. Partiram os pés que não se cansavam de ficar de pé a contemplar a renovação da vida, que, estagnou, que se foi.
Domingo de chuva! A memória, a distância, o perto, o ontem, o hoje, o agora, a paisagem, o ruído, o telhado, e a varanda... Tudo igual, nada mudou. Nada se apagou, nem o riso debochado do João-de-barro. O mesmo palco, o mesmo cenário. Apenas a cena principal se desfêz. Tornou-se muda. Sólitária. Tornou-se ausente. Saudade. Pranto.