Os Anjos
Los Angeles
No principio tudo era calmaria, silencio apenas cortado pelo som da respiração entrecortada por suspiros involuntários. Caminhando em câmara lenta para que o tempo se fizesse mais rápido. Eram homem e mulher sem saber que o eram (assexuados). O trovador não existia, nem o sexo, nem a onda opressora que percorre o sistema nervoso quando o pensamento vasculha as entranhas do prazer.
Como que voejando entre jardins, pomares, e liturgias de sons divinos, os dois dispunham do essencial para sua sobrevivência. Só daquela fruta não podia provar, nem mesmo embebedar-se com sua cor vermelho brilhante. Única proibição, singular tentação.
Comeu!
Ele a seguiu com o mesmo propósito de garimpar os primeiros pecados, a tortura da luxúria, a agonia do deleite concupiscente. Agora ele era homem do sexo masculino, e ela mulher do sexo feminino. O néctar estava servido na mesa do mundo de encantamentos sensuais.
O vento iniciou sua revolução ao redor do planeta, célere, alucinado, carregando em seu bojo todas as reminiscências, lufando gorjeios, folhas, palhas, areias, vitupérios gratuitos, uma tempestade transparente girando em torno do mundo como o conhecemos, em sua enlouquecida carreira contra o tempo presente, tentando distanciar-se do passado, como se moldura fosse de um fóssil abandonado na espessa camada de era glacial, borrifando o presente para torna-lo história nos compêndios de bibliotecas materiais e virtuais.
Um turbilhão alucinado singra os véus esgarçados de horas, minutos e segundos estilhaçados pela velocidade do giro do pião, brincadeira do Menino Deus, jogado na esfera de areias, de águas profundas, de vales e colinas, de charcos e levezas.
Os dias chegam e vão-se embora sem nem mesmo dizer até logo. Ele não volta. Uma vez concluído se giro, imediatamente começa a fazer parte do passado. O tempo fugindo de uma era de louvores e entrando no simbolismo de atitudes irreverentes, frustrando a alvorada da sabedoria complacente dos natos ascendentes.
Chegamos ao que somos, dúbios, distorcidos, covardes perante a vida, e como era de se esperar, fomos banidos para a terra como ela é hoje, apenas com um elemento a mais: os anjos de guarda. Elegantes, alados, imparciais e cuidadosos. Desceram do além para nos proteger, mandados por Deus, nosso Pai Eterno. Chegaram invisíveis para não turbar nosso intelecto, abstratos para não interferir no nosso caráter, silenciosos para não atrapalhar nossos devaneios. Apenas protetores, Anjos da Guarda... da nossa guarda, sem titubeios, sem receios de prevaricar. Temos presentes, ainda que escondidos em suas santidades, cada um de nós, o meu, o seu, o nosso ANJO DA GUARDA.
Quando o holocausto abateu o Paraiso, fomos jogados nessa estrada cavada por crateras abissais, onde devemos caminhar cada passo com o receio e, ao mesmo tempo, o cuidado para não sucumbir diante da curiosidade em vasculhar o profundo do abismo.
Meu Anjo encarrega-se de me advertir quando estou pendente de uma ação destemperada, absurda e usurpadora, impedindo-me de cair, ou recair no profundo de uma atitude impensada. Com sua mão diáfana Ele nos guia cuidadosamente e com incomensurável conhecimento de nossos azedumes, para o caminho pavimentado pelo Espírito Santo.
Os Anjos foram criados por Deus apenas para nos proteger, para nos orientar quando estamos perdidos nos escaninhos da incompreensão de cada dia que nos acomete viver. Ele nos toca, quando estamos nadando no lago da paz, e com sua mão aveludada arrepia nossos cabelos, acaricia nossa face e vela nosso sono. Não precisam falar, apenas agir em nosso favor. Quem os ama, sente-se deitado em sua diáfana imaterialidade santificada.
A dúvida não deve nos abater porque Ele sempre está ao nosso lado, protegendo-nos, indicando o caminho a ser palmilhado a cada dia de nossa existência. Afinal de contas Ele é o enviado do Senhor do Universo para ser nosso guia nesta estrada cheia de pedregulhos e venturas.
Eu voto Nele, e você?
Anchieta Antunes
Gravatá – 1º de agosto de 2015.