Por Maurício Duarte
O que são verdadeiramente os personagens de super-heróis das histórias-em-quadrinhos? Arquétipos disfarçados de produtos mass media? Quadros de uma ficção científica em torno de heróis com super-poderes? Deuses da antiguidade com nova roupagem? Talvez tudo isso, talvez nada disso...
Não sei se os super-heróis dos quadrinhos como produto do mass media existiriam num mundo com um sistema econômico diverso do nosso; mas certamente, os super-heróis não são defensores do status quo capitalista como querem alguns. Eles estão sempre à margem do sistema, que vez ou outra, os concede um salvo-conduto para agirem. Eles (os super-heróis) são como o aviso do porco Napoleão aos outros animais, contra o porco que foi expulso da fazenda no livro Revolução dos Bichos de George Orwell. Diz, ele, ruim comigo, pior sem mim e como ele (o inimigo). Vocês não querem que ele (o super-vilão) volte, não é?
Os super-heróis combatem e vivem em função de se opor aos super-vilões, não tendo vida própria e, quando a tem, ela é um arremedo de vida, um estereótipo da vida do cidadão urbano médio das grandes cidades ou um estereótipo de milionário esmagado pelas preocupações, responsabilidades e atribuições de rico abastado.
Não apresentando função fora do estar ativo contra o super-vilão, o super-herói é uma arma do status quo contra os inimigos da sociedade. Mas a arma nunca chega a ser representante dessa mesma sociedade, sendo sempre uma ambigüidade a sua posição. Essa ambigüidade do super-herói com a justiça do aparato jurídico-institucional do status quo é, a meu ver, elemento definidor da característica do vigilante mascarado com super-poderes; característica de estar à margem da sociedade, porém defendendo-a contra iminentes ataques dos super-vilões. Nesse sentido, o super-herói nunca poderá, por exemplo, ser votado para tornar-se representante eleito do cidadão. Vide episódio antigo da Marvel em que o Capitão América é instado a se candidatar a presidente dos EUA e declina do convite, após um conflituoso e angustiante exame de consciência.
Os super-heróis, por sua própria existência, são reveladores do degringolar daquela sociedade fictícia do universo dos quadrinhos (que não está muito distante da nossa). Numa clássica aventura, também muito antiga, de revival do Batman vemos isso claramente. O famoso quadrinhista da vez (Neal Adams se não me engano) faz o vigilante mascarado salvar uma senhora idosa (que tinha sido uma espécie de madrinha de Bruce Wayne, quando ele perdera os pais num assalto à mão armada) e ela retribui a ele com o seguinte adágio:
“- Eu gostaria que pudéssemos viver num mundo onde não precisássemos de gente como você. Oh, me desculpe, eu não quis ofendê-lo...”
Aos ouvidos do Batman não soa como ofensa, apesar dos pedidos de desculpa da senhora. O super-herói apressa-se em concordar com a afirmação, acrescentando que ele também gostaria de viver num mundo assim...
A justiça e os super-heróis digladiam em alguma instância? Sim, mas depende da personalidade do herói e quando ocorre, esse choque se dá em vários níveis diferentes, conforme as características da personalidade dele. Mesmo no caso de super-heróis como o Superman e o Capitão América onde o nível de identificação com os valores absolutos de bondade e bom senso “democráticos” está sublevado a seu grau máximo na figura do herói, também está corrente a ideia de que ele está à margem da lei e que, ao mesmo tempo, ele não irá contrariá-la. Como num episódio do Batman em que ele ameaça o Superman de detonar uma bomba por controle remoto, podendo matar um inocente caso ele se interpusesse em seu caminho. Não tendo escolha, pois o artefato “poderia estar em qualquer lugar do mundo”, o homem de aço se rende e deixa o Batman, não sem antes , por um balão de pensamento, contrariar-se, sabendo que o que o Batman estava fazendo não condizia com uma atitude pautada pelos valores humanos. O Batman só depois revela, por um balão de pensamento também, que o inocente se tratava dele mesmo e por estar com uma bomba atada ao peito recoberta de chumbo, o Superman não pudera usar seus raios X para detectá-la.
Enfim, o que são os super-heróis e o seu universo? O universo dos super-heróis é uma realidade paralela na qual super-poderes são possíveis e muitos (os super-vilões) os utilizam para satisfazer a ganância e a sede de poder pura e simples. Diferentes dos super-heróis, eles não são o aviso do porco Napoleão do livro de George Orwell; eles muitas vezes, são o próprio porco Napoleão. Estaríamos muito distantes da realidade da nossa política atual?
publicado 23/01/2014