Pálido retrato
Um dia, faz muito tempo,
Eu vi estrelas piscando
Por entre os vãos das telhas
Que cobriam a casa simples
Onde eu me escondia
Embaixo das cobertas velhas
Assombrada, com medo do dia.
Ouvi um gemido medonho
Que passava rápido
Pelo meu quarto tristonho
E se desmanchava
Na bruma da noite escura
Era o vento que rouco chorava
Pelas brechas do meu sonho
Que soluçava de amargura.
Um dia, quando dei por conta,
Deixei os meus fantasmas e parti
Orei de medo como num rito
A sangrar na carne da lança, a ponta,
E se fizeram surdos para não ouvir
O eco medonho do meu engasgado grito.
Passou o tempo tão igual
Eu sempre deixada lá num canto
Com a certeza que nenhum mal
Fiz a ninguém com o meu pranto
E assim se foi o tempo
Sem nada ser sentido ou dito
Ah! Eu era só uma menina
E já tinha Deus escrito
No livro da vida a minha sina!
Passou, agora já não sou uma menina...
Lígia Beltrão